A erotomania é conhecida como o delírio de amor, ou melhor, o delírio de
ser amado. É a situação onde o sujeito constrói um delírio, acreditando que um
outro realmente o ama. Geralmente, esse outro é de classe social mais elevada
ou uma celebridade muito conhecida. Tal qual a mania de perseguição, a
erotomania, se enquadra na clínica da paranoia, que tem a projeção seu
mecanismo principal.
Na erotomania há um objeto idealizado constituído pelo sujeito
internamente, que se projeta para o mundo externo e retorna desse lugar. Esse
mecanismo, de projeção, acentuado na paranoia é o que sustenta a construção
delirante e a crença inabalável daquilo que é projetado.
A apreensão da realidade acontece pela projeção, portanto não há a mesma
percepção como de outras pessoas. O sujeito não percebe seu delírio. E, pelo
contrário, pode buscar artifícios, cognitivos e discursivos, para comprovar,
aos que duvidam de sua realidade, que aquilo que delira é na verdade um fato.
Na sua construção delirante, o erotômano acredita que a outra pessoa
corresponde ao seu sentimento de amor, muitas vezes até acreditando que o outro
o ama demais (o persegue). Acredita que gestos, frases e comportamentos são declarações
de amor.
O termo, erotomania, foi cunhado por Clérambault, que nos apresenta três
fases em seu desenvolvimento. A primeira, é do orgulho, quando o sujeito tem
convicção de que está sendo amado. A segunda, é do despeito, quando o sujeito
mistura sentimento de um ‘orgulho ferido’ com a possibilidade de conciliação e
a vontade de vingança. E a terceira fase, é a de reinvindicação, quando o
sujeito passa a ter ódio do objeto de seu delírio.
O sujeito que mata na erotomania, é o sujeito que chegou na fase de ódio
do objeto. Quando ele acredita que o objeto idealizado o destruiu, acabou com
sua vida. Neste momento, a única saída para ele é a eliminação do objeto – e
consequentemente a sua. Ele não consegue deslocar para outro objeto e acredita
que precisa exterminar a pessoa encarnada como objeto delirante
A erotomania é diferente da paixão platônica, pois essa última não
apresenta delírio. Aquele que sofre de paixão platônica consegue perceber suas
fantasias diante de um outro que não corresponde, ainda que com muito ou depois
de muito sofrimento. Nisso, conforme sua fantasia é desconstruída, ele tem a
possibilidade de deslocar seu amor.
O erotômano está sempre na certeza, na crença inabalável. Ele não se
questiona. Ele não tem dúvida. Quando surge uma pequena percepção de não
correspondência do outro, o que muda é seu delírio, de “ele me ama” para “ele
me enganou”, “ele me destruiu”. A diferença está que o neurótico (da paixão
platônica) usa a fantasia para lidar com certas durezas da realidade, enquanto
que, para o paranoico, sua fantasia é a própria realidade – delírio.
O mundo hoje, da virtualidade, aproxima fantasias e realidades – para
neuróticos e psicóticos. Pelo virtual podemos parecer o que não somos, podemos
nos aproximar de quem não está perto e ter amizade com quem não conhecemos.
Assim, facilmente, podemos confundir e fundir o real e o virtual. Pela
virtualidade, fugimos de uma realidade sofrida e construímos um mundo onde tudo
é possível.
O mundo virtual é um terreno fértil para construção de fantasias
delirantes, tanto no sentido de ser perseguido, como no sentido de ser amado.
Algumas poucas palavras de uma pessoa, já idealizada como objeto de amor ou
ódio, pode alimentar um delírio e fazê-lo ser conduzido a uma ação.
De certo, a paranoia – da erotomania ou da perseguição – não surge do
nada. O sujeito sempre dá indícios de sua construção subjetiva. Na maioria das
vezes, o sujeito é considerado esquisito, ou uma pessoa que implica com
detalhes, ou aquele que não sabe brincar, ou como um cara que imagina demais,
ou como um mentiroso que acredita nas próprias mentiras, ou aquele que fica
divagando.
Não estamos acostumados a prestar atenção nas pessoas. Nem a perceber os
rastros emocionais, comportamentais e de pensamentos que as pessoas deixam.
Menos ainda preparados para lidar com situações limítrofes. Por outro lado,
também não podemos considerar qualquer fantasia um aviso de destruição do ser
ou de outros. Mas sabemos que nossa sociedade, com a supervalorização do
individualismo e da virtualidade, nos ajuda nessa cegueira com relação aos
outros, nos ajuda a não nos aproximarmos demais e a não querer saber do outro.
A erotomania é a expressão subjetiva de um sujeito. É a forma que ele
encontra de lidar com suas fantasias e seus conflitos. E não é, simplesmente,
uma característica de desmantelamento ou aniquilamento do sujeito. Ou seja, não
necessariamente, esse paranoico destruirá seu objeto do delírio ou a si mesmo e
se tornará um criminoso.
As subjetividades estão por aí. Consideradas “normais” ou não, elas são
a expressão do sujeito em sociedade. A forma como lida com aquilo que é seu.
Mas não são, em si só, a justificativa do comportamento criminoso.
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