ELIZANDRA SOUZA

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Quando todos são alienados

Viver de luz, de amor, da simplicidade da natureza, da bondade que é crença da falácia humana, supõe o afastamento da realidade, da sociedade e da cultura a qual estamos inseridos. Se nosso contexto indica a profusão do consumo, do espetáculo e do individualismo, isto significa que tanto a absorção total como o afastamento fazem parte da mesma alienação. A distância deste materialismo, que nossa sociedade estipula, provoca desconhecimento de suas ações, pois não é possível acreditar-se consciente social, política e economicamente se a paixão pela ignorância dos ditames dos costumes é ressaltada.

Manipulação tal ou pior que o consumismo exagerado. Por outro lado, para que uns vivam de prazeres é necessário que outros produzam (como os faraós, os imperadores, os escravocratas). Nosso país sofre com o alto grau de assistencialismo que o governo implanta, onde o único aprendizado é que o sujeito não precisa mais ser responsável pelo seu sustento, pela educação de seus filhos, pelo lugar em que vive etc. Tudo é dever do governo, mas quem paga por isso são aqueles que sustentam o Estado, ou seja, nós, consumistas, empregados e empregadores, que trabalham 4 meses do ano para pagar impostos.

Aqueles que acreditam na utopia do mundo perfeito, na transcendência do material, na possibilidade de viver para além dos pesares do corpo, num infinito religare, desconhecem sua própria condição de produtor, consumista e pagador. A não ser que se fechem em sociedades autossustentáveis e se marginalizem à sociedade vigente, estão todos inseridos na mesma formação discursiva. É possível se voltar para a simplicidade da vida, para paz interior, enquanto existem pessoas engravatadas, em saltos altos, enfurnadas em seus escritórios e queimando seus neurônios para conduzir bons negócios, para que outras pessoas possam sustentar suas famílias.

Qualquer um adoraria cuidar de suas plantas, seus cachorros e gatos, seus pássaros, passar uma tarde qualquer na tranquilidade de um parque em contato com a natureza ou mesmo curtir um sofá, sem se preocupar com as marcas de roupas e sapatos. Mas qualquer um adora e consegue, se há um outro quebrando a cabeça ou suando o corpo para pagar as contas de água, luz, telefone, internet, celular (tendo aparelhos modernos, é claro) ; se há um outro que paga o carro, a gasolina, o ipva, o seguro; se há um outro mantendo estudos, materiais escolares, alimentos, roupas, manutenção de casa, consórcios e financiamentos; se na doença pode-se contar com plano de saúde, médico particular, medicação ou mesmo indicação para um hospital público (geralmente destas pessoas consideradas consumistas e materialistas).

Talvez estas pessoas que trabalham demais, que se preocupam em pagar contas e não só as suas, mas que se preocupam com a mantença de outras famílias, que investem suas energias em resolver os problemas éticos, estéticos, sociais, culturais, corporais e principalmente financeiros de outros, devessem deixar de se desgastar tanto, de aumentar seu colesterol, de ter dores nas costas e na cabeça e dizer para todos: “Cada um com o seu problema” ou “Você não é problema meu” ou “Cuide da sua vida sozinho” ou ainda “Vou trabalhar só por mim, por meu prazer e para o meu bem-estar”.

As pessoas que vivem e dependem de seu próprio trabalho, que pagam suas contas e ainda que se preocupam com o bem-estar de outros têm todo o direito de “gastar” com boas roupas e sapatos (e se puderem comprar de suas marcas preferidas podem fazê-lo), têm o direito de ter carros excelentes e jantares em ótimos restaurantes. Não é errado querer coisas boas, o errado é querer coisas boas a custas do trabalho de outros.

O sujeito da linguagem

A linguagem, geralmente, é concebida como instrumento natural de comunicação humana, que surgiu na própria evolução da espécie, e é tão contingente quanto ela mesma ou qualquer dos recursos que ela utiliza para a sua preservação.

A aquisição da linguagem é caracterizada por etapas que vão do balbucio e da constituição dos primeiros repertórios de sons até a emergência da consolidação de formas gramaticais e da constituição de uma variedade de palavras.

Para melhor compreender o percurso da aquisição da linguagem, é importante e fundamental, levar em consideração também a natureza e o nível do desenvolvimento da linguagem na criança, em termos de conhecimento e de funcionamento.

Em idades precoces a comunicação é, sobretudo afetiva e inicialmente extra-verbal. Passando por seus corpos e refletindo sentimentos e emoções. Esta comunicação se realiza, sobretudo durante os cuidados maternais. O trabalho desta comunicação é estabelecer um diálogo, um acordo afetivo que se caracteriza pela harmonia e sincronicidade dos envolvidos (criança e cuidador ou mãe/bebê), que acontece durante os cuidados e as brincadeiras.

A criança em idade pré-escolar ainda não adquiriu o todo da linguagem, ou seja, ainda não domina todos os símbolos e articulações fundamentais da linguagem, o que permite-se manipular diversos elementos da linguagem. Dentro do contexto escolar é favorecido o ensinamento da língua e de seus instrumentos de conhecimentos através de recursos pedagógicos.

A utilização de substituições e combinações na língua caracteriza movimentos da criança com relação à linguagem. Num primeiro momento os enunciados da criança precisam ser interpretados pelo adulto para ter uma significação e prosseguimento. No segundo momento a criança toma a fala do outro como referência, e incorpora fragmentos dessa fala, mas já demonstra certa singularidade. Disto decorre posteriormente a fala mais complexa da criança com as pausas e interferência, assim como as tentativas de argumentação, numa posição de possibilidade de se escutar.

A linguagem não é a simples comunicação, mas o que insere o sujeito em seu meio, pois cada palavra não significa em si, mas traz o aporte de significantes necessários para sua constituição. São estes significantes que revelam o que é o sujeito. Porém os significantes surgem e são atuantes somente na presença de um outro, tanto de um outro significante como de um outro – pessoa – a quem se dirige, um outro sujeito.

A linguagem é uma produção determinada pelo momento histórico, nas suas contradições sociais e conflitos ideológicos – de classe, de gerações, de gênero, de grupos étnicos etc. Ela é produto inconsciente, pré-consciente e consciente desse jogo do ser com o mundo.

A tomada de palavras sugere um aporte de significantes, que vão surgindo pelos processos de identificação dos elementos inscritos no inconsciente, sejam imagens ou símbolos. De acordo com Lacan a identificação imaginária tem a ver com a origem do eu, enquanto que a identificação simbólica origina o sujeito do inconsciente, que vai fazer relação com a imagem do eu.

Quando diz de si através do ‘eu’, o sujeito aponta sua inserção na história, deslizando sob os significantes e seus significados. O sujeito é representado por um significante para outro significante. A linguagem instala a ordem simbólica no sujeito e possibilita a produção dos significantes que guiaram sujeito no decurso de sua vida e nos discursos. Todas as formas de expressão do sujeito são derivadas da cadeia de significantes.

Para a psicanálise aprender a ler e escrever tem a ver com sentido. Como a linguagem é fundamental para a constituição do sujeito, o aprendizado necessariamente passa pelas questões afetivas, de subjetivação. O inconsciente não existe sem linguagem e a linguagem é condição de existência do inconsciente, portanto aprender a operar com as letras e as palavras têm relação com a subjetividade. A criança que ainda não encontrou o caminho da subjetividade, que não operou com o recalque, nem entrou no campo do simbólico, fica impossibilitada de aprender.

Através da palavra, o sujeito apresenta o que está latente no seu inconsciente, que marca sua falta, revela-o na sua incompletude e denuncia seus conflitos. A percepção de si mesmo e da forma como o sujeito se expressa, também aparece nestes momentos em as palavras se manifestam.