Uma mãe me
procura preocupada com sua filha, que está pulando de médico em médico
para descobrir o que tem. Sintoma: um desânimo recorrente.
Diz que a filha não está trabalhando,
nem se interessa por estudo nenhum. Não conseguiu terminar qualquer curso
superior, apesar de ter ingressado em umas 4 faculdades. Também, nunca parou em emprego: acha que ninguém valoriza suas potencialidades e sua inteligência. Mas agora a mãe acha que no fundo ela "não quer nada da vida". Não corre atrás e joga a culpa nos outros.
A mãe começou
a achar que alguma coisa errada havia com a filha quando, por indicação de uma
amiga, criou uma conta no facebook e passou a visualizar o que a filha postava.
A aparente independência, autonomia e desapego apresentados numa tela se
confrontavam com sua real situação
de comodismo, subordinação e mal humor.
No início, a mãe
acreditou que a filha pudesse ter "dupla personalidade" ou estar
sofrendo de "bipolaridade". Mas, logo, percebeu que não se tratava
dessas patologias, "pois há uma
consciência e coerência em seus modus operandi". (Ela leu meu livro)
É uma pessoa que depende
dos pais, que apesar de aposentados, ainda trabalham como professores universitários. Tudo o que possui foi dado ou é mantido pelos pais. No facebook ("o engodo da
sociedade atual") se apresenta como uma pessoa feliz, divertida,
extrovertida, simpática,
amante da natureza, solidária, mas
não diz nem bom dia para as pessoas que moram em casa. Não ajuda nos afazeres
domésticos, mal arruma seu quarto. E é totalmente irresponsável.
Mostra-se, através de suas postagens, uma pessoa certa, amorosa e
batalhadora, mas que sofre da inveja alheia, acreditando que os outros vivem
formando planos para sua infelicidade ("até macumba"). Acredita nas forças das estrelas e da lua, e fala que o universo conspira
ora a favor, ora contra ela, dependendo do quanto se mostra feliz aos invejosos
- e diz que esse mal não a derruba (isso fez a mãe achar que a filha estava
"com um parafuso a menos").
Não tem
responsabilidade nem com relação à educação do
filho (graças a Deus, único,
diz a senhora). Diz a mãe: "parece uma
adolescente, que acha que o mundo gira ao seu redor, que não quer assumir seus
deveres e obrigações, não
cuida nem de si mesma, acha que veio ao mundo para ser feliz e todo mundo tem
obrigação de fazê-la
feliz - é mais imatura que o próprio filho".
A essa altura, tive que
parar a senhora, que falava incessantemente, para fazer uma pergunta básica: qual a idade da filha? Acreditava, obviamente, que
se tratava de uma jovem adulta, ainda confusa com suas posições de filha, mãe,
mulher, profissional. Mas eis que a resposta dada foi 48! Aos 48 anos (e com um
filho de 16), essa mulher ainda não descobriu o quer da vida.
Infelizmente, esse não é um quadro incomum. E as redes sociais têm sido palco para
essa bizarra atração. O adolescente tardio é aquele adulto que apresenta comportamentos e pensamentos,
que anteriormente eram referidos ao adolescente comumente conhecido. São
pessoas que não querem lidar com suas responsabilidades e obrigações, e não
assumem suas escolhas, acreditando sempre que o outro deve bancar e confirmar
sua posição.
Acreditam que precisam
aproveitar "ao máximo"
o que a vida tem de bom e ser feliz "custe o que custar", desde que
na conta de outro. Como adolescentes, precisam mostrar isso ao mundo (através das redes sociais) - mostrar que são felizes, que são
livres e independentes, que podem fazer o querem.
Não valorizam o
trabalho do outro, e acham que o outro só tem certa posição profissional ou financeira por sorte ou
por ajuda de um figurão, portanto, esse outro tem o dever de fazer por sua
felicidade e mantença. Dessa
forma, não assumem a condução da
sua vida, pois não conseguem lidar com a resposta sobre si mesmo. Acham que não
possuem deveres, somente direitos. São sujeitos que não produzem (nem
intelectualmente), mas consomem demais (ótimo público para o mercado).
Mas o pior disso tudo, é que se há um sujeito nessa condição, obrigatoriamente há um outro sujeito que está bancando. Mas não é bancar somente no sentido financeiro, e sim no sentido
subjetivo. No sentido de ser no mundo, de maturação. Parece que quanto mais se
dá
objetivamente, menos se constrói subjetivamente. Sobre o adolescente dizemos: os pais
dão de tudo, tudo é muito fácil,
acessível, os pais não dão limites e não exigem que tenham responsabilidade. E,
parece, que esses adultos estão no mesmo barco. O que muda é a idade, e só.
Por tudo que lhe ofertado,
há
um tijolinho a mais na construção de uma acomodação quase
patológica.
Quiçá já se tornando patológica quando a busca por um desejo de viver, ser
reconhecido e realmente atuar no mundo como ator principal, se esbarra na
construção apaixonada e irracional de um direito subversivo que o coloca mais
ainda como objeto social, como marionete do consumo da felicidade (ou de
objetos que se enquadrem nesta necessidade), atuando como figurante na vida,
que usam a justificativa do "coitadismo" como forma de manutenção
dessa posição inerte e com a crença que somente os direitos lhe cabem.
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