DEPRESSÃO: O MAL-ESTAR DA PÓS-MODERNIDADE
Entenda como
esta doença pode ser silenciosa e estar mais perto do que você imagina
Não ache que todas as
pessoas engraçadas têm uma vida
feliz; uma bela risada pode ser um choro na
alma.
(Anônimo)
Sentir-se “pra baixo”, sem ânimo, não ver sentido na
vida ou não enxergar nada de positivo são alguns dos sinais que podem indicar
uma depressão. Se você anda se sentindo deprimido e não vê sentido em sua vida,
não sente vontade de se relacionar e se isola, trabalha todos os dias, não
falta em seus compromissos como as aulas da faculdade, academia ou reunião
familiar e cumpre suas obrigações diárias, mas internamente se sente esmorecido,
continue lendo e entenda como os sintomas da depressão podem estar próximos e
não notamos.
Para a psicanalise, a depressão aparece como um
sentimento de “não sentido”. Uma pessoa que está com depressão não encontra
sentido em sua vida e nas atividades que exerce no dia-dia. Depressão inicia-se como uma doença
silenciosa, que não esboça “palavras”, por isso, o sujeito deprimido não
consegue falar sobre o que está sentindo, sobre o que pensa e sobre o que está
acontecendo com ele.
Existe uma impossibilidade de construção de sentido e
de discurso, as palavras não são encontradas e quando são, não são dizíveis. O
depressivo diz comumente “não sei”: não sei o que sinto, não sei o que é isso. Entre
o não sentido da vida, e o não sentir, o depressivo torna-se apático,
indiferente e disperso a tudo e todos ao redor.
Diferente da tristeza, a depressão pode ter sintomas
dessemelhantes ao simples desânimo e mau humor
A tristeza é um sentimento originado por um “agente
motivador”, ou seja, as pessoas ficam tristes por algum motivo, por algo ou um
fato que aconteceu. A tristeza é um sentimento vivenciado, mas que depois se
dissipa ou desloca dando espaço a outros sentimentos e estados de humor como a alegria,
raiva, angústia, êxtase, euforia e etc.
A depressão possui outras características peculiares e
ao contrário da tristeza, não é puramente sentimento. A depressão tem a ver com
um estado de si complexo que não se dissipa facilmente, não se desloca e nem dá
lugar a outros sentimentos agradáveis. Ela é impertinente, perturbadora e insistente,
é como se a vida do indivíduo estivesse destinada para sempre à inércia, desânimo
e insensibilidade completa.
O sujeito deprimido não é só aquele que fica deitado
na cama, alienado no sofá em frente à televisão e sem vontade de fazer nada. Na
maioria das vezes, o deprimido faz muitas coisas, atividades e tarefas, até
mesmo em excesso, o que também representa um desequilíbrio emocional.
Talvez ao seu redor existam pessoas depressivas que
estão trabalhando, estudando, indo à academia e até tendo momentos de lazer,
entretanto tudo o que eles fazem não tem sentido, nem traz sensações de prazer
e satisfação. Pessoas deprimidas não enxergam realização naquilo que fazem, não
consideram como construção, significado e evolução o empenho que dedicam.
O depressivo não percebe nada de bom em si mesmo e nem
na vida futura, geralmente ele não “vê a luz no fim do túnel”, e desta forma
ele “faz, faz e faz”, mas nada lhe rende algo que traga alegria, além disso,
ele não é produtivo, ainda que faça as coisas, não produz resultados
gratificantes ou construtivos e tudo que ele executa, faz por fazer.
A psicanálise afirma que na depressão “falta a falta”.
Na visão da psicanalise a “falta” é o que faz o desejo aparecer, por exemplo, e
de forma bem simplificada, a ausência do pai na infância de um garotinho move
seu desejo para ser um pai melhor para seus filhos quando adulto, ou uma menina
que teve uma vida difícil tem o desejo lhe movimentando para estudar muito para
ser uma pessoa bem-sucedida e próspera. Por isso, dizemos que a falta é o que
faz com que o desejo apareça.
Somos sujeitos constituídos por falta, logo somos
seres que “desejam”, é em função do desejo que nos movimentamos e criamos
possibilidades na vida, é por desejar que buscamos realizações e conquistas. Isso
explica o porquê logo após uma conquista muito almejada, algumas pessoas perdem
o interesse ou valor do que acabaram de alcançar e em seguida já querem outras
coisas.
Somos seres faltantes!
Todo o momento estamos construindo desejos, que podem
se expressar como sonhos e planos, pois o desejo é a forma de suprir a falta. Mas
também um desejo pode se realizar pelos tropeços do sujeito. O desejo em
psicanálise não tem relação com prazer ou bem-estar.
Para que o indivíduo encontre sentido de vida, ele
precisa constituir desejos e essa ação/movimento vai além do decidir, enquanto
plano da vontade. O desejo tem relação com a forma com que somos levados a
fazer as coisas como: estudar para conquistar a presidência da empresa,
trabalhar duro para comprar a casa dos seus sonhos ou desistir de uma relação
abusiva a fim de encontrar seu lugar ao sol, entre outras atitudes. E tudo isso
traz sentido de vida ao ser humano. Todas essas escolhas e caminhos provêm de
seres que são “faltantes” e que em função disso constituiu desejo.
A depressão do século XXI
Segundo Alain
Ehrenberg, nossa atual compreensão
acerca do capitalismo é um sofrimento, as pessoas se sentem excluídas pelo
sentimento de infelicidade, que responde ao que é vendido pela mídia.
As pessoas se sentem excluídas e propícias à depressão pelo
modelo de vida estipulado pela sociedade do espetáculo e pela necessidade de consumo,
denominada também como “vida ideal”, tal como no comercial de margarina em que
todos estão sorrindo, felizes em comunhão, em que todos os membros da família
“estão e são” presentes, sentados ao redor da mesa farta de pães, frutas
queijos e leite, ou seja, onde não há nenhuma ausência.
Esse modelo capitalista de vida ideal provoca sentimentos de
inferioridade e falta de sentido pela impossibilidade das conquistas ideais. Milhares
de pessoas que não possuem condições financeiras, sociais, familiares ou
psíquicas amargam o desgosto da sensação de não pertencimento. Todos somos influenciados
e bombardeados pela mídia, persuadido pelo carro do ano, celular e pelo padrão
de beleza ideal.
A depressão já foi considerada por Freud um elemento da fraqueza psíquica, visto
como uma espécie de ausência de força e de impulso, descrita como “rebaixamento
do desejo”.
Nos séculos passados, a depressão era denominada melancolia
e era conhecida como a doença dos intelectuais, a doença dos poetas e daqueles
que enxergavam a realidade como ela é. O professor Leandro Karnal diz: “os
ignorantes são mais felizes”. Hoje, a psicanálise faz diferença da melancolia,
enquanto estrutura psíquica e da depressão, enquanto patologia, principalmente
associada à neurose.
Acredita-se que pessoas que não se enganam com as ilusões,
persuasões e definições de padrão estipulada pela sociedade, pela mídia e pelo
consumo possuem uma espécie de cisão com o mundo que as permitem enxergar a
verdade com mais clareza, além de serem capazes de escapar da denominada doença
do século - a depressão. Mas isto para a psicanálise não é conclusivo.
A ascensão da depressão
Freud disse em 1905, “todo ser humano que nasce é atribuída a tarefa de superar o
Complexo de Édipo. Quem não tem êxito nesta tarefa cai na neurose”. A depressão
era considerada um modelo de neurose, recoberta pelos comportamentos
incapacitantes dos pacientes.
Mas, com a pós-modernidade, desconstrói-se o paradigma da neurose e o termo depressão passa a ter
mais especificidades. Desde então, vemos os inúmeros casos de pessoas que
sofrem com esta doença em que os sintomas são diversos, desde excesso ou
ausência de fome, ansiedade, insônia, dores no corpo, isolamento, desânimo e
etc.
Segundo a psicanálise freudiana, o estado depressivo
representa uma anedonia, um sintoma psíquico que indica falta de prazer na
vida. Para a medicina trata-se de um déficit de serotonina e dopamina,
substâncias cerebrais que estão em falta.
A psicanálise, apesar de não se guiar ou indicar
medicamentos, não despreza a necessidade de medicalização em vários casos, até
mesmo para estabilização de humor e possibilidade de trabalho analítico.
Diferentemente, das linhas de autoajuda, a psicanálise
não visa um saber totalitário do si mesmo, mas o reconhecimento das limitações
e produções de cada sujeito. A psicanálise não faz por quem não quer, por isso,
a análise de um depressivo pode ser extremamente desafiadora, pois o que está
em jogo é a capacidade desse sujeito de restaurar sua constituição desejante.
Erich Fromm, psicanalista e filósofo social alemão já dizia: “somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade, solidão, ansiedade,
depressão, destruição e dependência... pessoas que ficam felizes quando matam o
tempo que foi tão difícil conquistarem”.
Embora
haja grandes estudos sobre depressão, esta doença denominada o
"mal do século", pela Organização Mundial da Saúde, ainda é um
desafio para médicos, psicanalistas e pacientes.
Esse
problema psíquico atinge pessoas de qualquer idade e não escolhe classe social.
As mulheres geralmente são as mais diagnosticadas, mas nem as crianças e jovens
estão imunes. Aliás, a demanda entre adolescentes e jovens adultos para o tratamento
de sintomas depressivos tem aumentado anualmente.
A
depressão tem sido banalizada, ainda que os casos aumentem. Por isso, é
necessário o olhar de um especialista psi (psiquiatra, psicanalista,
psicoterapeuta) para constatar e verificar as possibilidades de tratamento, que
não deve se guiar simplesmente pela crença da “pílula mágica”, mas também na
necessidade de poder amenizar a apatia, a indiferença e a falta de sensação de
felicidade.
A
ajuda de um profissional auxiliará a recuperação e até mesmo a restauração do
desejo, possibilitando a reconstrução dos sonhos de uma vida com sentido.
O
Dr. Augusto Cury diz, “nunca despreze as pessoas
deprimidas. A depressão é o último estágio da dor humana”. Não podemos ignorar este transtorno a começar por nós mesmos.