ELIZANDRA SOUZA

quinta-feira, 12 de julho de 2018

DEPRESSÃO: O MAL-ESTAR DA PÓS-MODERNIDADE

DEPRESSÃO: O MAL-ESTAR DA PÓS-MODERNIDADE

Entenda como esta doença pode ser silenciosa e estar mais perto do que você imagina

Não ache que todas as pessoas engraçadas têm uma vida
 feliz; uma bela risada pode ser um choro na alma.

Sentir-se “pra baixo”, sem ânimo, não ver sentido na vida ou não enxergar nada de positivo são alguns dos sinais que podem indicar uma depressão. Se você anda se sentindo deprimido e não vê sentido em sua vida, não sente vontade de se relacionar e se isola, trabalha todos os dias, não falta em seus compromissos como as aulas da faculdade, academia ou reunião familiar e cumpre suas obrigações diárias, mas internamente se sente esmorecido, continue lendo e entenda como os sintomas da depressão podem estar próximos e não notamos.
Para a psicanalise, a depressão aparece como um sentimento de “não sentido”. Uma pessoa que está com depressão não encontra sentido em sua vida e nas atividades que exerce no dia-dia.  Depressão inicia-se como uma doença silenciosa, que não esboça “palavras”, por isso, o sujeito deprimido não consegue falar sobre o que está sentindo, sobre o que pensa e sobre o que está acontecendo com ele.
Existe uma impossibilidade de construção de sentido e de discurso, as palavras não são encontradas e quando são, não são dizíveis. O depressivo diz comumente “não sei”: não sei o que sinto, não sei o que é isso. Entre o não sentido da vida, e o não sentir, o depressivo torna-se apático, indiferente e disperso a tudo e todos ao redor.
Diferente da tristeza, a depressão pode ter sintomas dessemelhantes ao simples desânimo e mau humor
A tristeza é um sentimento originado por um “agente motivador”, ou seja, as pessoas ficam tristes por algum motivo, por algo ou um fato que aconteceu. A tristeza é um sentimento vivenciado, mas que depois se dissipa ou desloca dando espaço a outros sentimentos e estados de humor como a alegria, raiva, angústia, êxtase, euforia e etc.
A depressão possui outras características peculiares e ao contrário da tristeza, não é puramente sentimento. A depressão tem a ver com um estado de si complexo que não se dissipa facilmente, não se desloca e nem dá lugar a outros sentimentos agradáveis. Ela é impertinente, perturbadora e insistente, é como se a vida do indivíduo estivesse destinada para sempre à inércia, desânimo e insensibilidade completa.
O sujeito deprimido não é só aquele que fica deitado na cama, alienado no sofá em frente à televisão e sem vontade de fazer nada. Na maioria das vezes, o deprimido faz muitas coisas, atividades e tarefas, até mesmo em excesso, o que também representa um desequilíbrio emocional.
Talvez ao seu redor existam pessoas depressivas que estão trabalhando, estudando, indo à academia e até tendo momentos de lazer, entretanto tudo o que eles fazem não tem sentido, nem traz sensações de prazer e satisfação. Pessoas deprimidas não enxergam realização naquilo que fazem, não consideram como construção, significado e evolução o empenho que dedicam.
O depressivo não percebe nada de bom em si mesmo e nem na vida futura, geralmente ele não “vê a luz no fim do túnel”, e desta forma ele “faz, faz e faz”, mas nada lhe rende algo que traga alegria, além disso, ele não é produtivo, ainda que faça as coisas, não produz resultados gratificantes ou construtivos e tudo que ele executa, faz por fazer.
A psicanálise afirma que na depressão “falta a falta”. Na visão da psicanalise a “falta” é o que faz o desejo aparecer, por exemplo, e de forma bem simplificada, a ausência do pai na infância de um garotinho move seu desejo para ser um pai melhor para seus filhos quando adulto, ou uma menina que teve uma vida difícil tem o desejo lhe movimentando para estudar muito para ser uma pessoa bem-sucedida e próspera. Por isso, dizemos que a falta é o que faz com que o desejo apareça.
Somos sujeitos constituídos por falta, logo somos seres que “desejam”, é em função do desejo que nos movimentamos e criamos possibilidades na vida, é por desejar que buscamos realizações e conquistas. Isso explica o porquê logo após uma conquista muito almejada, algumas pessoas perdem o interesse ou valor do que acabaram de alcançar e em seguida já querem outras coisas.
Somos seres faltantes!
Todo o momento estamos construindo desejos, que podem se expressar como sonhos e planos, pois o desejo é a forma de suprir a falta. Mas também um desejo pode se realizar pelos tropeços do sujeito. O desejo em psicanálise não tem relação com prazer ou bem-estar.
Para que o indivíduo encontre sentido de vida, ele precisa constituir desejos e essa ação/movimento vai além do decidir, enquanto plano da vontade. O desejo tem relação com a forma com que somos levados a fazer as coisas como: estudar para conquistar a presidência da empresa, trabalhar duro para comprar a casa dos seus sonhos ou desistir de uma relação abusiva a fim de encontrar seu lugar ao sol, entre outras atitudes. E tudo isso traz sentido de vida ao ser humano. Todas essas escolhas e caminhos provêm de seres que são “faltantes” e que em função disso constituiu desejo.
A depressão do século XXI
Segundo Alain Ehrenberg, nossa atual compreensão acerca do capitalismo é um sofrimento, as pessoas se sentem excluídas pelo sentimento de infelicidade, que responde ao que é vendido pela mídia.
As pessoas se sentem excluídas e propícias à depressão pelo modelo de vida estipulado pela sociedade do espetáculo e pela necessidade de consumo, denominada também como “vida ideal”, tal como no comercial de margarina em que todos estão sorrindo, felizes em comunhão, em que todos os membros da família “estão e são” presentes, sentados ao redor da mesa farta de pães, frutas queijos e leite, ou seja, onde não há nenhuma ausência.
Esse modelo capitalista de vida ideal provoca sentimentos de inferioridade e falta de sentido pela impossibilidade das conquistas ideais. Milhares de pessoas que não possuem condições financeiras, sociais, familiares ou psíquicas amargam o desgosto da sensação de não pertencimento. Todos somos influenciados e bombardeados pela mídia, persuadido pelo carro do ano, celular e pelo padrão de beleza ideal.  
A depressão já foi considerada por Freud um elemento da fraqueza psíquica, visto como uma espécie de ausência de força e de impulso, descrita como “rebaixamento do desejo”.
Nos séculos passados, a depressão era denominada melancolia e era conhecida como a doença dos intelectuais, a doença dos poetas e daqueles que enxergavam a realidade como ela é. O professor Leandro Karnal diz: “os ignorantes são mais felizes”. Hoje, a psicanálise faz diferença da melancolia, enquanto estrutura psíquica e da depressão, enquanto patologia, principalmente associada à neurose.
Acredita-se que pessoas que não se enganam com as ilusões, persuasões e definições de padrão estipulada pela sociedade, pela mídia e pelo consumo possuem uma espécie de cisão com o mundo que as permitem enxergar a verdade com mais clareza, além de serem capazes de escapar da denominada doença do século - a depressão. Mas isto para a psicanálise não é conclusivo.
A ascensão da depressão
Freud disse em 1905, “todo ser humano que nasce é atribuída a tarefa de superar o Complexo de Édipo. Quem não tem êxito nesta tarefa cai na neurose”. A depressão era considerada um modelo de neurose, recoberta pelos comportamentos incapacitantes dos pacientes.
Mas, com a pós-modernidade, desconstrói-se o paradigma da neurose e o termo depressão passa a ter mais especificidades. Desde então, vemos os inúmeros casos de pessoas que sofrem com esta doença em que os sintomas são diversos, desde excesso ou ausência de fome, ansiedade, insônia, dores no corpo, isolamento, desânimo e etc.
Segundo a psicanálise freudiana, o estado depressivo representa uma anedonia, um sintoma psíquico que indica falta de prazer na vida. Para a medicina trata-se de um déficit de serotonina e dopamina, substâncias cerebrais que estão em falta.
A psicanálise, apesar de não se guiar ou indicar medicamentos, não despreza a necessidade de medicalização em vários casos, até mesmo para estabilização de humor e possibilidade de trabalho analítico.
Diferentemente, das linhas de autoajuda, a psicanálise não visa um saber totalitário do si mesmo, mas o reconhecimento das limitações e produções de cada sujeito. A psicanálise não faz por quem não quer, por isso, a análise de um depressivo pode ser extremamente desafiadora, pois o que está em jogo é a capacidade desse sujeito de restaurar sua constituição desejante.
Erich Fromm, psicanalista e filósofo social alemão já dizia: “somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade, solidão, ansiedade, depressão, destruição e dependência... pessoas que ficam felizes quando matam o tempo que foi tão difícil conquistarem”.
Embora haja grandes estudos sobre depressão, esta doença denominada o "mal do século", pela Organização Mundial da Saúde, ainda é um desafio para médicos, psicanalistas e pacientes.
Esse problema psíquico atinge pessoas de qualquer idade e não escolhe classe social. As mulheres geralmente são as mais diagnosticadas, mas nem as crianças e jovens estão imunes. Aliás, a demanda entre adolescentes e jovens adultos para o tratamento de sintomas depressivos tem aumentado anualmente.
A depressão tem sido banalizada, ainda que os casos aumentem. Por isso, é necessário o olhar de um especialista psi (psiquiatra, psicanalista, psicoterapeuta) para constatar e verificar as possibilidades de tratamento, que não deve se guiar simplesmente pela crença da “pílula mágica”, mas também na necessidade de poder amenizar a apatia,  a indiferença e a falta de sensação de felicidade.
A ajuda de um profissional auxiliará a recuperação e até mesmo a restauração do desejo, possibilitando a reconstrução dos sonhos de uma vida com sentido.

O Dr. Augusto Cury diz, “nunca despreze as pessoas deprimidas. A depressão é o último estágio da dor humana”. Não podemos ignorar este transtorno a começar por nós mesmos.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Psicanálise e Criminologia

Os diversos crimes que ocorrem diariamente em nossa sociedade nos colocam a refletir sobre quem são esses homens e mulheres que buscam no crime uma forma de expressar suas insatisfações, expressar um modo de ser, justificar suas mazelas, apontar um caminho.
A criminologia, como ciência do crime, tem como objeto de estudo não somente o crime em si, mas tudo o que a ele se refere como o criminoso, a vítima, e as questões sociais de construção ou de controle que interferem na conduta delituosa.
Mas a criminologia, não se faz sozinha. Ao longo de sua existência buscar em outras ciências e outras teorias, conceitos e pressupostos que pudessem sustentar seus estudos. De certo, a criminologia nasce no final do século XIX, mas desde a Idade Antiga já haviam pensadores que colocam em discussão as motivações dos comportamentos criminosos.
A criminologia se coloca à disposição da sociedade ao estudar o crime, observando a realidade que nos cerca e buscando compreender os mecanismos internos (ou subjetivos) e os externos (sociedade) que desempenham influência na construção do criminoso e no crime como resposta à uma insatisfação social.
Na sua interdisciplinaridade, conversa com o direito, com a sociologia, com a psiquiatria, com a antropologia dentre outras ciências que tem o homem e suas relações sociais como objeto de estudo e discussão.
A psicanálise, que também é uma teoria nova (nascida também no final do século XIX), aparece para a criminologia como uma nova possibilidade de olhar este sujeito criminoso e sua posição frente seus atos.
É fato que a psicanálise não deve servir às mais diversas justificativas que tendem a encontrar numa patologia mental a resposta de um ato criminoso. Mas a psicanálise olha o sujeito de forma diferente de todas as outras teorias, principalmente pelas vias pulsionais, do inconsciente e do complexo de Édipo.
Infelizmente, o equívoco na leitura dos textos psicanalíticos, sugere um desvio de responsabilidade penal para o sujeito acometido pelos atributos de que nada sabe (como o inconsciente). Porém, conforme nos ensina Lacan, de sua posição o sujeito é sempre responsável, e mais que isso, é preciso responsabilizar para humanizar o criminoso.
A psicanálise auxilia a criminologia, mas elas não se confundem. Aliás, em alguns pontos até são discordantes. Porém, com a psicanálise, a criminologia pode ampliar sua visão sobre o criminoso e a vítima, enquanto sujeito e não simplesmente como produto social.
A psicanálise nos interroga sobre nossa posição independente de nossos comportamentos, pensamentos, vontades ou desilusões. Ela nos aponta a resposta do sujeito como senhor de si, na medida em que deve responder por seus atos. Pela psicanálise, o sujeito não pode ser somente um objeto da sociedade, não pode ser considerado somente o manipulado, não pode ser visto como impossibilitado de se confrontar.
Obviamente, há exceções que se colocam, quando há efetivamente uma patologia ou distúrbio mental, onde não há subjetividade que se sustente, onde a confusão entre o ser e o existir são inevitáveis e comprovadas.

De certo, cada teoria com suas limitações pode contribuir para a nossa compreensão sobre a manifestação do crime na sociedade pós-moderna, de forma tão declarada como se os tempos de selvageria, onde o status de Lei não existia, retornasse de algum lugar. 

Psicopatia – uma reflexão psicanalítica

Comumente se relaciona a psicopatia aos comportamentos violentos com o único objetivo, que é a maldade. São chamados psicopatas aqueles que não se relacionam com empatia na sociedade, que não são afetuosos ou não possuem sentimento de culpa. A associação entre psicopatia e violência é muito frequente, o que faz com que se acredite que o psicopata se comporte como um louco assassino.

As características dirigidas aos ditos psicopatas são: egocentrismo, manipulação, impulsividade, megalomania, não estabelecimento de vínculos, sem medo de punição, necessidade de controle, intimidação.

Essas características colocam o psicopata como uma pessoa que não possui uma vida “normal” e, portanto, deve ser considerado alguém com desvio de personalidade ou de personalidade antissocial.

A psicanálise encontra na psicopatia um grande ponto de interrogação, principalmente, quando nos tentamos a inseri-la em alguma estrutura. Pelas características sempre apresentadas sobre os psicopatas, ela facilmente encontra vias na estrutura perversa.

A psicanálise nos coloca para pensar o sujeito através de conceitos como a pulsão, o inconsciente, o complexo de Édipo, bem como, pelas fantasias, pelos mecanismos de defesa e pelo superego. Dessa forma, pensar a psicopatia pela via psicanalítica é fazer referência à perversão, que se delimita a partir da passagem do sujeito pela castração.

Na Estrutura Clínica da Perversão, temos que o sujeito desmente a castração, ou seja, apesar de conhece-la, nada quer saber. A castração, que acontece na passagem do Complexo de Édipo é o momento crucial para a criança, que depende desse momento para fazer ou não relação com a lei, com o simbólico e com o mundo.

Não podemos, dentro da teoria psicanalítica, apontar o que é considerado normal ou anormal, certo ou errado, para dizer da castração ou mesmo do Complexo de Édipo. Cada Estrutura Clínica (Neurose, Perversão ou Psicose) diz de um sujeito e de um tipo de submissão à castração.

Assim, não podemos igualar a psicopatia a uma patologia mental. O psicopata não é doente, nem louco. Talvez o que diferencie o psicopata de qualquer outro perverso seja a maldade ou a malignidade de seus atos.  O perverso não psicopata segue, pelas vias da própria perversão, certos caminhos para sua satisfação, que vão de encontro com os objetos (materiais ou comportamentais) colocados no lugar da falta (para não reconhecer e não se submeter à castração).

O perverso é aquele que encontra prazer e satisfação em modalidades muito próprias, principalmente as conhecidas pelos sufixos “filias” e “ismos”: enofilia (satisfação pelo vinho), cromofilia (atração e satisfação pelas cores), que aparentemente não tem nada de sexual, tampouco é alguma infração. Por outro lado, temos também aquelas filias que determinam um ato criminoso como pedofilia, zoofilia, necrofilia. Deve-se ficar claro que a questão do delito tem seus parâmetros na lei social e não na lei simbólica. Ou como os “ismos”: sadismo, masoquismo, fetichismo. Por outro lado, o perverso pode ter como via de prazer e satisfação a relação com o poder, com o encantamento, com o dinheiro.

Sabemos que o perverso é aquele que usa o desmentido para lidar com a castração, da mesma forma, o faz para lidar com a angústia da falta (resto da castração) e com a relação com o outro, com a lei e com o mundo (objetivo da castração). O sujeito perverso não quis saber da castração, não quis saber da angústia, não quis saber da lei que coloca o outro como ordenador.

Essa forma de lidar com a castração sugere que o perverso ignora a lei social, mas não é bem assim que acontece. O perverso vive muito bem em sociedade e muitas vezes se apresenta como uma pessoa extremamente virtuosa. Quando sua via de satisfação encontra lugar na relação sexual, tratam disso de forma discreta e secreta. Quando colocam o poder, o discurso ou o dinheiro como via de satisfação, podem ser grandes líderes, palestrantes ou empreendedores.

Acontece que o perverso, por desconsiderar a lei simbólica e sua própria angústia, desconsidera também o outro, enquanto sujeito de escolhas e de sentimentos. O perverso, então usa da manipulação para alcançar seus objetivos. Sem culpa e sem escrúpulos, faz com que o outro se angustie, faz com que o outro se sinta culpado. É aqueles capaz de dar um golpe numa pessoa sem recursos e indefesa, e ainda, faz a pessoa acreditar que a culpa é dela.

Portanto, diferenciar o perverso do psicopata não é tarefa tão simples para a psicanálise, visto que não podemos creditar ao psicopata apenas os comportamentos assassinos e violentos. O psicopata age, independente do tempo ou da pessoa, com prazer na superioridade, na maldade ou na enganação, ou seja, na possibilidade de fazer ou outro sofrer. E mais uma vez, não somente pela via da agressão. Por exemplo, uma pessoa que vive dando golpes pode ser um psicopata, dependendo de sua posição de malignidade na sua atitude.

Devemos entender que nem todo assassino é psicopata e nem todo psicopata é assassino. O psicopata tem uma certa intransigência na relação com o outro e se sente mais compelido à transgredir qualquer lei. Não podemos dizer que o perverso é maldoso por si só, pois sua intenção não é maltratar, mas buscar sua satisfação. Sua manipulação, ainda que possa fazer sofrer o outro, não tem intenção de pura maldade. Já o psicopata tem satisfação na superioridade e maldade, mas não necessariamente, a maldade da agressão ou da violência. Sua maldade pode estar numa atitude inescrupulosa ou mesmo de domínio.


O psicopata acredita que está acima do bem e do mal, da vida e da morte, por isso joga com sua superioridade e sua manipulação, para assim, se sentir no controle de tudo e de todos.   

Nosso corpo, nossa morada

Nosso corpo, nossa morada. Desde as questões de saúde e beleza até as patologias, usamos nosso corpo para expressar nossos sentimentos e marcar nossa presença no mundo. Através dele mostramos quem somos e representamos papéis diversos.

Nem sempre essa relação entre nosso mundo interno e nosso corpo, é consciente e controlável. E, por isso, podemos nos perder na relação com o corpo, principalmente porque hoje vivenciamos de forma mais intensa essa relação.

O corpo é aquilo que se coloca inicialmente, que chega primeiro. Antes mesmo das pessoas poderem nos conhecer, elas interagem com nossa presença física, com nosso corpo. Obviamente, essa interação não se trata de toque, mas de olhar. O corpo é usado para servir de máscara, velando ou revelando nossas faltas.

Hoje, o corpo é um objeto a serviço dos anseios sociais e virtuais pautados numa ideologia narcísica que visa apresentar o sucesso, o bem-estar, a satisfação plena do sujeito. Lugar que não se admite a expressão do fracasso ou da tristeza.

Diariamente, nos revelamos através de nossos corpos e temos a oportunidade de desvelar outros sujeitos. Nossos movimentos, nossas roupas, acessórios, nossa fala, sorriso, tudo diz algo sobre nós, pode ser lido, revelado ou mesmo falseado. Conhecemos, reconhecemos e interpretamos as pessoas através daquilo que, primeiramente, o corpo mostra.

O tempo todo nos apresentamos e representamos, às vezes expressando nossas verdades, às vezes tentando mostrar verdades que não existem, ou mesmo sendo contraditórios em nossas expressões. De certo, o que se manifesta, através de nosso corpo, diz muito mais sobre nós do que aquilo que podemos dizer em palavras. Algumas de nossas representações são espontâneas e conscientes. Outras tantas são expressões daquilo que não sabemos dizer, nem sabemos por quê.

Usamos o corpo com cuidados em função da saúde quando procuramos alimentos saudáveis, quando usamos cosméticos que tratam ou medicações que curam e aliviam as dores. Usamos o corpo por causa da beleza quando fazemos exercícios físicos, quando utilizamos cremes e maquiagens, quando infligimos dores ao corpo para se adequar ao constructo social da valorização da imagem.

A mulher se angustia com a questão da beleza e se vê reduzida ao próprio corpo. Ainda que acredite conhecer seus limites, se escraviza, sem perceber, de um ideal muitas vezes inalcançável. Isso não significa que não possa existir prazer no trabalho corporal, onde o sofrimento é consequência satisfatória do movimento corporal, como nas bailarinas.

Mas usamos também nosso corpo para expressar aquilo que não tem palavra ou que não encontra formas melhores de se representar através de patologias. É claro que não se pode interpretar toda patologia como pura expressão de um sentido de ser, mas também não podemos negar que nossos sentimentos, nossas dúvidas e nossos conflitos influencie as questões estão atreladas ao corpo.

Não há uma ligação direta entre um estado de ser e uma impressão corporal. Não é possível afirmar que uma tristeza, uma decepção, uma frustração ou a raiva de alguém cause diretamente uma dor física ou o funcionamento errado de algum órgão ou mesmo que construa outros sentidos negativados ou destrutivos.


As mulheres têm seus corpos fragmentados pela mídia, que divide em tantos pedaços quanto forem necessários para fazer do consumo um objetivo.  A partir do discurso capitalista, ficam assujeitadas ao consumo de objetos que correspondem ao ideal de beleza e juventude ainda que em detrimento da saúde. O discurso consumistatransforma o sentido de ser das pessoas, ao mesmo tempo, que promoveo imperialismo do objeto sobre o sujeito no mundo globalizado.

Além disse, a mulher se vê diante de uma competição acirrada com os homens, na construção de sua identidade, pois precisam ser fortes, racionais, conquistadoras. Precisam assumir atitudes, antes somente referidas aos homens, para se sentirem pertencentes à sociedade contemporânea.

Porém, buscar conhecer um pouco mais nossas dores, nossos desafetos, nossos conflitos, nos permite reconhecer nosso sentido de vida e daí transformar. O corpo faz relação com o mundo. O corpo estáno espaço e no tempo e, é a própria expressão do ser-no-mundo. É na forma de ser-no-mundo através do corpo, que homens e mulheres participam da sociedade e se comunicam. O fato de pessoas terem corpos ou serem corporais permite que o mundo em que vivem seja comum a todos e também que uma pessoa tenha acesso a outra, através de suas expressões corporais.


O DELÍRIO DE AMOR COMO MOTIVAÇÃO CRIMINOSA – SOBRE A EROTOMANIA

A erotomania é conhecida como o delírio de amor, ou melhor, o delírio de ser amado. É a situação onde o sujeito constrói um delírio, acreditando que um outro realmente o ama. Geralmente, esse outro é de classe social mais elevada ou uma celebridade muito conhecida. Tal qual a mania de perseguição, a erotomania, se enquadra na clínica da paranoia, que tem a projeção seu mecanismo principal.
Na erotomania há um objeto idealizado constituído pelo sujeito internamente, que se projeta para o mundo externo e retorna desse lugar. Esse mecanismo, de projeção, acentuado na paranoia é o que sustenta a construção delirante e a crença inabalável daquilo que é projetado.
A apreensão da realidade acontece pela projeção, portanto não há a mesma percepção como de outras pessoas. O sujeito não percebe seu delírio. E, pelo contrário, pode buscar artifícios, cognitivos e discursivos, para comprovar, aos que duvidam de sua realidade, que aquilo que delira é na verdade um fato.
Na sua construção delirante, o erotômano acredita que a outra pessoa corresponde ao seu sentimento de amor, muitas vezes até acreditando que o outro o ama demais (o persegue). Acredita que gestos, frases e comportamentos são declarações de amor.
O termo, erotomania, foi cunhado por Clérambault, que nos apresenta três fases em seu desenvolvimento. A primeira, é do orgulho, quando o sujeito tem convicção de que está sendo amado. A segunda, é do despeito, quando o sujeito mistura sentimento de um ‘orgulho ferido’ com a possibilidade de conciliação e a vontade de vingança. E a terceira fase, é a de reinvindicação, quando o sujeito passa a ter ódio do objeto de seu delírio.
O sujeito que mata na erotomania, é o sujeito que chegou na fase de ódio do objeto. Quando ele acredita que o objeto idealizado o destruiu, acabou com sua vida. Neste momento, a única saída para ele é a eliminação do objeto – e consequentemente a sua. Ele não consegue deslocar para outro objeto e acredita que precisa exterminar a pessoa encarnada como objeto delirante
A erotomania é diferente da paixão platônica, pois essa última não apresenta delírio. Aquele que sofre de paixão platônica consegue perceber suas fantasias diante de um outro que não corresponde, ainda que com muito ou depois de muito sofrimento. Nisso, conforme sua fantasia é desconstruída, ele tem a possibilidade de deslocar seu amor.
O erotômano está sempre na certeza, na crença inabalável. Ele não se questiona. Ele não tem dúvida. Quando surge uma pequena percepção de não correspondência do outro, o que muda é seu delírio, de “ele me ama” para “ele me enganou”, “ele me destruiu”. A diferença está que o neurótico (da paixão platônica) usa a fantasia para lidar com certas durezas da realidade, enquanto que, para o paranoico, sua fantasia é a própria realidade – delírio.
O mundo hoje, da virtualidade, aproxima fantasias e realidades – para neuróticos e psicóticos. Pelo virtual podemos parecer o que não somos, podemos nos aproximar de quem não está perto e ter amizade com quem não conhecemos. Assim, facilmente, podemos confundir e fundir o real e o virtual. Pela virtualidade, fugimos de uma realidade sofrida e construímos um mundo onde tudo é possível.
O mundo virtual é um terreno fértil para construção de fantasias delirantes, tanto no sentido de ser perseguido, como no sentido de ser amado. Algumas poucas palavras de uma pessoa, já idealizada como objeto de amor ou ódio, pode alimentar um delírio e fazê-lo ser conduzido a uma ação.
De certo, a paranoia – da erotomania ou da perseguição – não surge do nada. O sujeito sempre dá indícios de sua construção subjetiva. Na maioria das vezes, o sujeito é considerado esquisito, ou uma pessoa que implica com detalhes, ou aquele que não sabe brincar, ou como um cara que imagina demais, ou como um mentiroso que acredita nas próprias mentiras, ou aquele que fica divagando.
Não estamos acostumados a prestar atenção nas pessoas. Nem a perceber os rastros emocionais, comportamentais e de pensamentos que as pessoas deixam. Menos ainda preparados para lidar com situações limítrofes. Por outro lado, também não podemos considerar qualquer fantasia um aviso de destruição do ser ou de outros. Mas sabemos que nossa sociedade, com a supervalorização do individualismo e da virtualidade, nos ajuda nessa cegueira com relação aos outros, nos ajuda a não nos aproximarmos demais e a não querer saber do outro.
A erotomania é a expressão subjetiva de um sujeito. É a forma que ele encontra de lidar com suas fantasias e seus conflitos. E não é, simplesmente, uma característica de desmantelamento ou aniquilamento do sujeito. Ou seja, não necessariamente, esse paranoico destruirá seu objeto do delírio ou a si mesmo e se tornará um criminoso.

As subjetividades estão por aí. Consideradas “normais” ou não, elas são a expressão do sujeito em sociedade. A forma como lida com aquilo que é seu. Mas não são, em si só, a justificativa do comportamento criminoso.

Gestão de Pessoas na pós-modernidade

São inúmeros os problemas que afetam as organizações atualmente, mas um deles é, ao mesmo tempo, tão antigo quanto atual, que interfere em toda dinâmica da empresa, e é traduzido pela expressão ‘lidar com pessoas’. Contudo, cada tempo e cada sociedade tem sujeitos próprios que devem ser tratados de forma própria. Isto nos convida a refletir sobre duas questões: quem são os sujeitos atuais e como lidar com estes sujeitos.

Bauman, sociólogo polonês, radicado na Inglaterra, nos traz um novo conceito sobre o sujeito atual, que nos possibilita apreender quem é este ser de que tanto se fala e se estuda hoje. O sujeito líquido, advento da sociedade líquida é o termo cunhado pelo estudioso para designar este homem pós-moderno que está em constante transformação e que não tem uma forma (ou posição) fixa e delimitada. Seus estudam apontam as angústias humanas decorrentes da busca incessante pela perfeição, pelos objetos e pela felicidade.

Com o sujeito líquido, percebemos que os vínculos são fluidos e, portanto, frágeis. O sujeito líquido não cria relações estáveis, nem no âmbito particular, nem no profissional. As relações amorosas, por exemplo, não se constituem na solidez e são facilmente dissolvidas. Assim como, as relações de trabalho, que, aparentemente, não possuem valores tais que forcem o sujeito a considerar algum tipo de estabilidade. 

Antigamente, as escolhas, os comportamentos, os conceitos eram bem mais definidos e menos flexíveis. Hoje, com o advento da tecnologia e da comunicação, que avassalam na pós-modernidade, todos os conceitos, comportamentos etc são mais instáveis, volúveis, ou seja, a transformação é constante. Algo que é hoje, amanhã pode já não ser.

A nova forma de conceber o mundo é fruto da globalização que instaura o ilimitado, o mundo sem fronteiras. O acesso à informação, à comunicação e ao consumo são marcas registradas neste novo tempo.

A pós-modernidade nos traz a complexidade de um sujeito em contínua transformação, ao mesmo tempo que nos permite a facilitação dos acessos pela divulgação constante da norma do ‘tudo é possível’. O excesso de consumo traz uma certa ilusão de onipotência e premia o sujeito com uma depressão essencial, que indica a insuportável existência na impossibilidade do consumir.

No mundo atual os objetos são oferecidos de forma variada e em abundância, que ultrapassam as barreiras da demanda. A estratégia é constituir demandas, oferecendo objetos que passam a ser necessários quando aparecem.

Ao mesmo tempo, que os objetos são variados, as identidades também são diversificadas. Se, antigamente, tínhamos referenciais fixos de um ‘querer ser’, tal como o pai, a mãe, um tio, um médico, hoje somos interpelados por muitos estilos possíveis de ser. Neste contexto, os sujeitos atuais sofrem com a necessidade de definir uma escolha, o que acaba gerando muita angústia e dificuldade de amadurecimento, que ocorre em momento tardio.

O sujeito é fluído, pode estar aqui e lá ao mesmo tempo, pode “conhecer o mundo sem sair de casa”, mistura produções culturais e modos de vida. É um sujeito que parece ter identidades líquidas, ou identidades com todos os grupos, que na realidade não pertence totalmente a nenhum. A crise de identidade não está no conflito com outras identidades diferentes, não está nas dificuldades em aceitar o diferente. Está na não constituição de um si mesmo integrado.

Ora, se o sujeito não é estável e seu movimento é sempre em busca de alguma coisa, de forma rápida, pois este sujeito é impulsivo, como querer tratá-lo da mesma forma como se fez com as gerações anteriores? Como acreditar que os mesmos caminhos servirão para fazê-lo ‘vestir a camisa’ da empresa?

O que move o sujeito é seu desejo, que para além de uma vontade conhecida, é algo que se insere pelo pulsar, que desassossega e que deve ser o ponto a ser tocado para transformar sua posição na vida pessoal e profissional.


Portanto, o tema ‘gestão de pessoas” não pode deixar de considerar o estudo social e cultural destes novos tempos. Não é possível submeter o mesmo olhar a estes novos sujeitos que surgem na atualidade. Estamos em tempo de aprender sobre este novo “modus operandis” de ser, contudo, já é possível olhar e agir de outras formas a partir do entendimento do sujeito ilimitado. Não para tentar restaurar a um modo anterior, mas sim, para poder encontrar o melhor caminho de relações e de trabalho. 

Finanças no divã – a Psicanálise do dinheiro

Depois que o prêmio Nobel de Economia foi dado a um estudioso que relaciona finanças com processos psicológicos, as pessoas começaram a prestar mais atenção no ser humano do que nos números quando o assunto é dinheiro. Entender o ser humano e o porquê de suas atitudes financeiras se tornou o objeto de desejo das pessoas que trabalham com finanças e investimentos. Mas isto não é tarefa fácil, pois não é possível saber do sujeito, simplesmente, através de testes racionais. Não é possível querer olhar o sujeito como um objeto de apreensão total, como se fosse um robô altamente manipulável e que responde a comandos por simples ato de vontade.

Há fatores que influenciam o comportamento financeiro que estão além da racionalidade. Para a psicanálise, algo do desejo inconsciente se revela na relação com o dinheiro, bem como atua na sua constituição subjetiva. Sem saber, a pessoa se enlaça em problemas financeiros que estão mais ligados a conflitos internos e à questão de “quem sou eu” do que por falta de fazer contas ou analisar gastos e investimentos. A realização do consumo satisfaz um modo de ser – ser alguém pela soma de objetos ou pela posição idealizada. Por outro lado, podemos entender, em algumas pessoas, que a necessidade de endividamento está ligada à uma dívida inconsciente, no sentido de “devo ao Outro”, onde este Outro está para além da personificação, pois só existe na relação do sujeito com ele mesmo.

A maneira como o brasileiro lida com o dinheiro diz muito sobre a forma como olha para si mesmo e como se relaciona com o mundo. Os problemas relacionados ao dinheiro são, atualmente, questões trazidas para o divã como fundadores de outros conflitos e desordens. Quando há imaturidade em lidar com perdas financeiras ou com problemas de administração de dinheiro, o sujeito se sente impotente diante de si mesmo e nas relações com o outros. Questões como conflitos de relacionamento, patologias emocionais e até problemas sexuais podem ter suas origens nas finanças, ou mesmo levar a pessoa a dificuldades de lidar com o dinheiro.

Portanto, àqueles que estudam e trabalham com finanças deverá restar o desejo de saber mais sobre quem é o sujeito que está diante de si. Aquele que continuar focando seu trabalho nos números e não se importar com os aspectos emocionais e psicológicos de clientes, funcionários e outros, não sobreviverá num mercado onde saber lidar com aspectos mais humanos e profundos são emergentes.
Contudo, sabemos que não há mágica e cada profissional, no seu campo de atuação deverá buscar o máximo de conhecimento para satisfazer à demanda de “entender o outro como a si mesmo”.

“OS BRUTOS TAMBÉM AMAM” Empresários e executivos como sujeitos de desejos e limitações

As exigências do mundo moderno fazem com que homens e mulheres se obriguem constantemente à superação de desafios e obstáculos. E ainda que, se reconheçam como seres humanos comuns, suas superações visam a total eficiência, intimando-os a se posicionarem como super-homens ou super-mulheres.

Esta demanda social é fortíssima para qualquer pessoa, mas quando falamos sobre empresários, executivos ou outras pessoas que assumem posição de comando, a superação se amplia, pois o olhar não é individual, se volta para as questões da empresa, dos negócios e dos colaboradores.

Os empresários e executivos sabem do valor dado ao lado emocional e psicológico de seus colaboradores e como os conflitos que envolvem problemas de comportamento e relacionamento são devastadores para as empresas. São eles que vão gerenciar o funcionamento das atividades empresariais e o funcionamento das relações de seus  colaboradores.

A busca desses homens e mulheres de negócios é por melhores condições de trabalho para aqueles que dependem da empresa, incluindo recursos financeiros e benefícios, pois percebem esta necessidade e visam o desenvolvimento das atividades de forma mais assertiva e satisfatória.

Hoje, tanto nas seleções como nos treinamentos, os aspectos emocionais e psicológicos são avaliados e analisados como condições fundamentais para a manutenção do emprego. Relacionamento interpessoal, inteligência emocional, negociação de conflitos são temas recorrentes nos movimentos dos recursos humanos.

Esta carga de ações e pensamentos exigida do empresário/ executivo, tanto para os resultados dos objetivos da empresa, como para o planejamento e forma de execução, sem nunca esquecer de que lidam com pessoas, que também carregam objetivos, comportamentos, pensamentos e conflitos, ao mesmo tempo que movimenta este empresário/ executivo para o desenvolvimento de seu trabalho, também o afasta de si mesmo e de seus conflitos internos.

Queremos pensar e dar atenção, então, para este sujeito (empresário/ executivo), que assume várias posições dentro da empresa: de comando, liderança, chefia, administração, gerência, mas também se preocupa com a negociação de conflitos, supervisão da qualidade e apresentação de resultados, acumulando uma série de exigências, que quando voltadas para as soluções do trabalho, soluções externas ou dos colaboradores, consegue dar conta, mas, em geral, não voltam seus olhares para suas questões individuais.

Este homem ou mulher de negócios é também um ser de emoções, de alma, que adota os problemas da empresa, dos negócios, dos colaboradores, mas que não sabe lidar com os próprios conflitos. Muitas vezes, é envolvido por questões pessoais que não reconhece como dificuldade ou problema e acaba não podendo resolver. Sem perceber, descontam em pessoas ou objetos, que diretamente não fizeram nada para eles, como cônjuges, filhos, colegas, colaboradores, cachorros, trânsito.

As questões mais íntimas, esses fantasmas ou demônios, surgem para qualquer sujeito e todos sentem certa dificuldade em assumir que seus conflitos existem. Porém, o empresário/ executivo, por ser a pessoa que sempre tem uma carta na manga para solucionar problemas, pois ele é o centro das resoluções, tem mais dificuldade de se perceber numa situação de não saber o que fazer, principalmente, quando este não saber se pontua no si mesmo, nos seus pensamentos e sentimentos.

O sujeito de negócios é visto como o equilíbrio da empresa, o ser da segurança, posto num cargo de grande exigência, não só sobre as questões intelectuais, mas também sobre as questões comportamentais dos colaboradores, contudo não se dá conta de que é um sujeito comum, que sente, pensa, necessita, ama, espera.

O empresário não se permite ter dúvidas; não se permite sentir; não se permite não saber o que fazer consigo e com o que pensa e sente. Não se permite desconhecer. Sofre, e sofre calado, mais do que qualquer outro colaborador, pois sofre sem pedir ajuda, sem poder demonstrar que ali há um ser humano que tem emoções e que também fraqueja.

Por ser considerado e exigido nesta posição, e por ele assumir esta posição, não se permite pequenos pontos de interrogação, como se tivesse em constante resistência. Resiste não como forma de se acreditar melhor do ninguém, não como uma forma de ser arrogante, mas resiste como necessidade, porque se sua posição for abalada, não é só a ele, como sujeito, que a desestruturação acontece.

Carrega as dores, as emoções, os conflitos também daqueles que o rodeiam e mesmo que tente se afastar, a todo momento é chamado a prestar esta atenção, pois é ele que tem que resolver quando há necessidade de um novo treinamento, de uma nova abordagem, de nova solução para aqueles conflitos que estão aparecendo.

Entrar em contato consigo mesmo, com suas emoções, pensamentos, limitações e com seus desejos mais íntimos é uma dificuldade que passa qualquer pessoa. Nós não aprendemos a nos enxergar como sujeitos para além daquilo que é racional. Essa dificuldade é maior para o empresário porque dele é exigido demais, racionalmente. Olhar para si ou cuidar de si não cruzam com as ações desses homens e mulheres de negócios.

É comum estas pessoas, sem perceber, levarem suas questões pessoais para a empresa e vice-versa, quando, por exemplo, se irritam com mais facilidade; quando têm dificuldade para resolver algumas questões, onde o que antes era fácil começou a pesar ou complicar; quando percebem que o que era prazeroso se torna um transtorno, se torna um desafio grande demais; quando não conseguem motivação, nem para si, nem para seus colaboradores.

Não têm a consciência de seus conflitos e fantasmas, mas percebem quando alguns sintomas ficam visíveis, por exemplo, não tendo paciência, se tornando intolerantes, onde as outras pessoas sentem receio em dialogar. Eles se afligem e não sabem como agir, não sabem o que fazer com que está acontecendo com eles e com as coisas a sua volta. Agem de forma constante, rotineira, mecânica, sem parar para pensar ou se questionar sobre o que realmente estão fazendo; sobre se há benefícios ou não naquilo que fazem; sobre o que sentem em relação ao que fazem; aliás, sobre o que, realmente,  sentem. Mesmo porque, quando fazem esta reflexão sofrem, não têm respostas e se sentem num vazio. Apresentam nervosismo, inquietação, indisponibilidade, indisposição, falta de sentido, necessidade de carinho, falta de vontade, constante obrigação a si mesmo, cobrança em fazer, resolver, empreender.

As pessoas que precisam revolver coisas demais, não percebem e não diferem o que são questões próprias e o que são questões externas, pois comumente anulam ou deixam de lado suas aflições, dúvidas e vontades. Conflitos estes, que não são considerados importantes, relevantes ou são impróprios para se pensar no momento, surgem em forma de impaciência, irritação, desatenção, esquecimento, e levam o sujeito a apresentar comportamentos negativos sem perceber. O cuidado de si é sempre posto adiante.

Cria-se uma expectativa em torno desses empresários e executivos, numa relação de dependência, mas assumida somente como a dependência dos outros em relação a eles, de suas ações, de seus planejamentos e de suas soluções. A responsabilidade é carregada com excessos de pressão e permeada pela culpa e possibilidade de erro. O peso é da preocupação, como se a qualquer momento tivesse que tomar uma decisão, que só cabe a ele fazer, que depende somente dele.  Não é só uma pressão demasiada, mas um sentimento de extração, como se fosse, constantemente, sugado. 

Alguns sintomas como medos, angústias, palpitações, dores de cabeça, sudoreses, dor de estômago, ansiedade, nomeados estresse, podem sugerir muito mais que a pressão constante do trabalho ou o esgotamento mental e físico, ainda que estes, também, sejam sinais de necessidade de parada; um pedido do corpo e da alma de um pouco de atenção e cuidado.

Destaco a importância desse olhar-se e sentir-se. Reconhecer-se como um sujeito comum, que também faz interrogações sobre si mesmo. E mais ainda, saber e compreender que quanto mais é assumida e exigida esta posição de administrador, líder, pensador e solucionador, mais deverá ser o cuidado de si, pois o sujeito não é máquina.


Futebol: da paixão ao fanatismo

Em época de Copa do Mundo, todos os olhares se voltam para o futebol e suas influências. Torcedores de todas as idades, classes e oriundos dos mais diferentes lugares se juntam com um único objetivo – assistir a seleção. O futebol é um esporte sem barreira social, e pelo contrário, tem o poder de unir pessoas dos mais diversos aspectos sócio-econômico-cultural, mas com um mesmo objeto de amor – seu time.

É, também, neste momento que surgem as mais diversas teorias que tentam dar conta deste fenômeno tão diferenciado que move milhões de pessoas em todo o mundo. Das teorias via biológico às teorias mais filosóficas, todas dão pelo menos uma explicação sobre o que acontece com o indivíduo que torce.

As vibrações e o nervosismo na hora dos jogos caracterizam-se como os principais componentes do torcedor, mas, por outro lado, podem revelar muito mais do que uma simples admiração. Inexplicavelmente, muitas formas de dedicação ao time ou ao jogo são condutas observadas em torcedores mais frequentemente que nos próprios jogadores do time.

O sujeito torcedor joga pelo outro (jogador) através do olhar e da emoção. Se em cada torcedor há um técnico, mais ainda, há um jogador, e mais, há um conhecedor. Todos, cada qual sob sua própria perspectiva vislumbra um jogo melhor, uma escolha técnica melhor, um posicionamento excelente de cada jogador. E sob seus próprios elementos já conhecidos e postos, constrói novas teorias, que em geral, divergem das utilizadas em campo, principalmente quando seu time perde.

Após cada jogo, são intermináveis os debates entre profissionais e leigos, sempre dando conta de um inexplicável, resolvendo o que não há solução, na tentativa de preencher o vazio deixado pelo jogo.

Apesar de toda esta disposição das pessoas que torcem, devemos pensar sobre o que representa o futebol, principalmente, no Brasil. Talvez o futebol brasileiro traga consigo a marca do reconhecimento, da existência, a marca da possibilidade de se representar ao resto do mundo, longe da figura selvagem que éramos submetidos.

O Brasil passa a ser reconhecido por seus títulos e seus jogadores. Há no mundo quem conheça Pelé, mas não saiba nada sobre o Brasil. Nossa vantagem em copas do mundo e outros títulos mundiais, nos fizeram reconhecidos como o pais do futebol e, se nisto contamos vitória, também pede uma reflexão sobre o que pensam os brasileiros em relação a forma como são vistos pelo resto do mundo.

Paramos cidades inteiras para assistir aos jogos da copa; a economia nas cidades mais importantes do pais parou: empresas privadas, bancos, serviços e até o trânsito fizeram silêncio para “sua majestade o futebol”. Mesmo carregados de controvérsias frente ao time ou as táticas, os brasileiros se submeteram ao futebol.

Seria então, o futebol a salvação da pátria? Deveríamos então, utilizar o futebol como característica política para desenvolver na população o tão desejado sentimento de patriotismo? Qual será o real interesse dos brasileiros frente as suas questões sociais, econômicas e culturais se somente o futebol demonstra força de mobilização?

Dentre os questionamentos dessa fragilidade emocional do brasileiro perante o futebol, trago à tona as relações de fanatismo e agressividade tão presentes nas partidas e depois das partidas.

Ao mesmo tempo, que mobiliza a população a um pseudo-patriotismo, o futebol, nos terrenos particulares de seus clubes, faz emergir entre muitos torcedores sentimentos de posse, egoísmo e intolerância, e caminham para uma forma de fascismo recheado de sofrimento, violência, totalitarismo, induzindo a destruição da comunidade social e do direito de escolha.

Este mecanismo que vigora pelo fanatismo já é considerado problema social, cultural, psíquico e, muitas vezes, até fisiológico. O fanatismo é degradante em qualquer aspecto que toma forma, pois ele por si só destrói, se não os outros, o próprio sujeito, que deixa de se relacionar com outros objetos do mundo para contemplar um único objeto.

O fanático é aquele que acredita que a única forma de ser feliz ou de viver é através de um símbolo idealizado, por exemplo, um time (ou mesmo a seleção campeã). Esta fixação idealizada pode surgir na infância com os exemplos e ensinamentos oferecidos pelos pais, familiares e a sociedade. Algumas formas de fanatismo podem dizer algo relacionado à fuga de realidade, visto que está ligado a um prazer muito particular. Portanto, ao fixar um símbolo ideal, ameniza-se os sofrimentos que a vida podem suscitar.

O fanático é impossibilitado de perceber as escolhas alheias, os gostos, o comportamento e os pensamentos das outras pessoas que são contrários aos seus e age com agressividade quando o que vem do outro agride ou ofende sua idealização.

Acredito que ao fazer uma reflexão sobre o futebol e suas particularidades, devemos voltar os olhares para todas as formas de manifestação atribuídas como consequência deste esporte, que tem sua atuação cada vez mais presente, justamente pela variedade e contradição de suas representações e manifestações.

REFLEXÕES SOBRE O CRIME PASSIONAL

Paixão, palavra que nos remete aos extremos do ser, seja pelo amor ou pelo ódio, seja pelo bom ou pelo mau. A paixão é uma forma de fixação, onde a pessoa idealiza um objeto (pessoa, idéia ou comportamento) e o coloca no lugar do ideal de ego (que, de forma simplificada, significa a forma como o sujeito é ou quer ser).



A paixão, em sua essência, pode causar alienação do sujeito, que abandona o si mesmo, causando enfraquecimento do eu e supervalorizando o objeto que se torna uma necessidade. Uma pessoa apaixonada não se sente mais forte, mais bonita ou mais querida por si mesmo, ela precisa do olhar do outro amado. Ela precisa que este outro lhe diga sobre seu bem-estar.



Apesar de, num primeiro momento, trazer vivacidade ao apaixonado, a paixão se insere pela via da fixação, que promove ao sujeito um prazer indizível, pois nem ele sabe sobre o prazer que lhe causa, tampouco, como isto aconteceu. Por permanecer na fixação, a paixão não é um sentimento sublime, não se configura no lado positivo da vida e não celebra o amor.



Se tomarmos a paixão como abandono do eu em direção ao objeto, temos, então, uma pessoa ‘não inteira', que por isso, se afasta da realidade e desconsidera os outros objetos do mundo e as outras relações. A paixão está no fanatismo, nas patologias, nos movimentos violentos, na figura dos egoístas.



A pessoa apaixonada, por vezes, perde o senso crítico da realidade e a capacidade de avaliar o certo e errado, o bem e o mal. Em encontros com sua imaginação, beirando o delírio, o apaixonado justifica seus comportamentos e pensamentos, tal qual, justifica os do objeto amado, considerando sempre o sentido de apreensão do objeto, ou seja, a tomado do outro para si.



O movimento egoísta é percebido na fala do apaixonado: "eu te adoro, eu te quero"; "você é a coisa mais importante para mim"; "não posso viver sem você"; "quero você só para mim"; "você é minha". Frases, que conforme revela o estado da paixão, desconsidera o desejo do outro.



Na contradição entre o egoísmo e a proteção, muitas pessoas acreditam no bem supremo do apaixonado e, por vezes, é neste momento que não percebem quando há algo patológico. Alvos de crimes, ditos passionais, quando percebem, já é tarde.



Para que não seja patológico (ou não se torne), é necessário que o sujeito não se abandone e não se direcione para este sentimento de forma totalitária. Há que existir uma alternância entre o estado de paixão e a capacidade de razão.



A paixão é benéfica quando o sujeito não se destitui de si mesmo e não se afasta da realidade. Quando consegue equilibrar as explosões do estado apaixonado com a relação com o mundo externo e interno. Podendo, neste equilíbrio, adquirir potencial para um bem querer maior, que não anula totalmente as inseguranças próprias do ser, mas que se insere com maior maturidade.



O crime passional é caracterizado pela relação de paixão entre o criminoso e a vítima, independente do tempo de relação ou mesmo da realidade objetiva desta relação – em alguns casos esta "relação de amor" somente existe no delírio do criminoso, como acontece na paranóia.



Ainda que, o criminoso se encha de motivos éticos, morais, financeiros para justificar seu ato, não é possível desrresponsabilizá-lo ou desculpá-lo. Estes motivos explicam processos internos, mas não encobrem o ódio, a possessividade, o poder, a intolerância, a vingança que o criminoso carrega pela vítima.



Estes criminosos são, na sua maioria, homens que não suportaram a frustração da traição ou da troca. E precisam demonstrar a subjugação da mulher e a constatação de sua honra. Isto é facilmente entendido pela cultura, pois as mulheres são, em geral, mais compreensivas, mais sensíveis e mais acolhedoras, podendo aceitar com mais tranqüilidade as atitudes do homem, como, por exemplo, nos deslizes de traição.



Por outro lado, grande parte dos homens tem mais características de atuação do que de reflexão. A masculinidade ainda é entendida e demonstrada pelo poder, pela dominação, pelo controle, pela atuação sexual, pela agressividade. A exemplo disto, temos muitos homens que quando perdem o emprego, a posição social ou o controle de suas finanças, desenvolvem distúrbios sexuais, como a impotência. O homem não aprendeu a lidar com os sentimentos e as emoções, por isso quando há angústia, há incapacidade.



Entendendo a paixão como tomada do objeto enquanto ideal de ego, no crime passional, este objeto (figurado na pessoa) é o causador da dor, porém de uma dor objetiva. A eliminação do objeto cessa com o sofrimento.



O criminoso passional não sabe lidar com seus sentimentos de dor, nem de amor. Não consegue utilizar seu simbólico para resolver seu sofrimento. Quando diz: "é uma faca em meu peito", é como se a faca realmente estivesse lá, portanto para desaparecer com a dor é preciso remover a faca, eliminá-la.



Esta é a impossibilidade do sujeito colocar em palavras (a linguagem é simbólica) o que toma conta de seu corpo e seu pensamento. A angústia que se instaura na rachadura do ser, é onde a palavra não dá conta e o não dito surge em forma de ato.



A psicanálise trabalha com a fala, permitindo ao sujeito que transforme em palavra aquilo que sente, mas que ainda está no impossível de dizer. Pela palavra, oferecemos o simbólico como via de expressão, e mais, como possibilidade de dizer da sua angústia sem querer eliminá-la pelo ato, como faz o criminoso passional, que na apreensão do objeto real, submete-o ao lugar da angústia e mata como se matasse a própria angústia. 

O TRABALHO PSICANALÍTICO COM BEBÊS

A possibilidade de identificação de sinais de sofrimento no bebê é um dos grandes progressos da clínica atual. Existe uma unanimidade em considerar a psicopatologia do bebê uma perturbação do laço que une esse bebê ao seu cuidador pimordial. Existe possibilidades de trabalho psicanalítico envolvendo os bebês e seus cuidadores, assim como, as dificuldades afetivas acometidas pelas grávidas modernas, cercadas de objetivos e vontades nem sempre consonantes.

Os sintomas que mais apontam para a necessidade de um trabalho psicanalítico são aqueles que a medicina não encontra motivos ou quando as medicações parecem não trazer os resultados desejados, como por exemplo: recusa ao alimento, problemas com o sono, choros constantes e sem explicação, dificuldades na relação parental.

Teóricos como Winnicott e Françoise Dolto, já discutiam a relação mãe-bebê, portanto esta abordagem não é tão nova. Hoje, um dos métodos mais conhecidos de observação é de Esther Bick.

O tratamento na clínica psicanalítica com bebês implica na escuta paterna. Diferentemente do trabalho psicanalítico feito com crianças maiores, onde é possível fazer uma análise do simbolismo utilizados pelas crianças nos jogos, brincadeiras, desenhos, histórias. Com os bebês o trabalho é diferenciado, pois se instaura na relação.

Durante a gravidez, uma mãe pode passar por conflitos por causa das transformações corporais e psicológicas, e ainda, cria expectativas sobre o bebê e sua relação com ele e com o marido, que muitas vezes não correspondem com a realidade depois do nascimento. A mulher é recheada de inseguranças e medos, que não consegue manifestar de forma adequada e sente que precisa de mais apoio do que geralmente recebe.

Quando o bebê nasce, os pais são confrontados com a realidade, pois após o período de sonhos e fantasias, eles se encontram com o bebê real. Passam, então, ao exercício parental do cuidado, da exploração das emoções, do encontro com novos sentimentos. Por isso, as circunstâncias que rodeiam a gravidez, o nascimento e os primeiros momentos da vida do bebê podem ser psicologicamente desestabilizantes para os pais, mais precisamente para a mãe.


A forma subjetiva que cada mãe carrega sobre sua vivência infantil, sua relação com seus pais, irmãos, avós, assim como as representações e traços que mantém direcionam a forma de como será mãe. Tal qual o bebê, antes mesmo de nascer já carrega sua história familiar e já é falado pelos entes, se constituindo, posteriormente, através de todas estas características.

O comportamento do bebê tem ressonância com os pais ou cuidadores, mas principalmente com a mãe. Suas histórias de vida, suas formas discursivas, suas constituições simbólicas são fatores primordiais na representação comportamental do bebê.

Os bebês precisam de alguém que exercendo a função materna, possa, além de trocar e alimentar, dar suporte afetivo às suas necessidades. Às vezes falta à mãe imprimir no seu filho a possibilidade de um sujeito. Muitas mães não conseguem dizer o que seus filhos querem ou por que eles choram. O trabalho com bebês supõe que elem se expressam e, apesar de não falarem, eles têm uma linguagem.

O tratamento psicanalítico na clínica com bebês segue a via da relação, por isso não é uma escuta parcial ou unilateral, mas uma escuta de posicionamento. É necessário o entendimento de uma série de elementos que caracterizam esta relação bebê-pais, como por exemplo, o lugar que o bebê ocupa no discurso dos pais. Ao psicanalista cabe um tipo de intervenção que visa oferecer situações onde seja possível produzir efeitos para constituição deste bebê.

Os filhos devem crescer

Quão difícil é desgarrar dos filhos! Quão difícil é aceitar que o crescimento deles depende, também, de nosso afastamento. As dúvidas mais despertadas nos pais se colocam sobre as questões do futuro. Enquanto são pequenos e estão submetidos aos nossos cuidados especiais, somos considerados o mais seguro dos portos, e temos a crença, quase que numa fé absoluta, de que estamos fazendo a coisa certa.

Contudo, ainda o que mais se sobressai é a dúvida e o medo.  Em torno disto, e da certeza de que sabemos o que é melhor para os filhos, assumimos a posição de superprotetores mesmo sem admitir, ou mesmo que esta superproteção não seja visível. Infelizmente, hoje, apresenta-se uma geração de jovens que não consegue fazer suas escolhas, tampouco, consegue vislumbrar um futuro de forma consciente e coerente.

Quando fazem escolhas, partem, principalmente de uma confrontação com os pais - que não é nenhum modelo novo de sobrevivência na adolescência, cujo aspecto social mais relevante e comentado é o dito "ser do contra".  E quando vislumbram um futuro, ainda se apoiam nas fantasias infantis, que tinham o aporte dos adultos cuidadores - lá quando estes eram super-heróis. A confusão não está só no pensamento e no comportamento dos filhos. A posição de pai e mãe também sofre com a falta de delimitação.  

O que é ser pai? O que é ser mãe? Até quando deve-se carregar os filhos "no colo"? E de que colo é este que falamos? Provavelmente, todos nós temos um exemplo de pais (ou outros responsáveis) que "carregam filhos nas costas"- e isto não é dar colo. São estes filhos - adolescentes e jovens - que vivem num misto de ser ou não ser adulto.

Filhos não crescem, não amadurecem sozinhos. Dependem em parte da posição dos pais, que ainda inseguros e agarrados aos seus medos, pretensiosamente tentam garantir uma gestação eterna – os filhos são colocados sob as asas dos pais. Mas depende também de como os filhos articulam internamente os ensinamentos oferecidos pelos pais.

Há preocupações tão antigas quanto o fato de ser pai e mãe, como: o que serão de meus filhos? Será que estou fazendo o certo? Qual é a melhor educação? E mesmo com tantas perguntas, tantas respostas, tantas buscas, ainda assim teremos a indagação: onde foi que eu errei? É difícil entender que o que idealizamos enquanto pais (e/ou responsáveis) não são expressos obrigatoriamente e diretamente nas respostas – físicas, comportamentais, psicológicas, intelectuais – de nossos filhos.

Acreditamos mesmo que somos únicos criadores, que a formação só depende de nossa vontade. E apesar de termos sido um dia vistos como super-heróis, como seres superiores e até mesmo "santificados", um dia esta imagem se desfaz – e isto é bom! Pois é neste momento que os filhos são permitidos a crescer. É neste momento desconstrutivo da imagem de superioridade absoluta que eles se desgarram e podem assumir suas vidas, seus caminhos! E diremos: "tão novos!", "tão imaturos!". Mas, para os pais sempre serão os ‘filhinhos'.

Estes movimentos entre heróis e anti-heróis, em que os pais se encontram, acontecem ao longo do desenvolvimento de qualquer sujeito – e sempre irão se reportar às marcas iniciais (aos cuidadores). Mas deixar de ser supremo não significa, em hipótese alguma, deixar de ser fundamental, necessário, porto seguro. Somos sujeitos, que tomamos decisões e acreditamos que podemos fazê-las até para nossos filhos (como se pudéssemos tomar seus lugares) porque temos angústia, temos dúvidas e temos escolhas.

O problemas estará sempre em administrar tudo isto – cada escolha, uma renúncia. Não é possível ser tudo, não é possível ter tudo. Esquecemos de que já fomos crianças e adolescentes, que já retrucamos aos mandos paternos, que já desconsideramos e já decidimos o oposto somente para contrariar – e isto nos fez ser o que somos – ter autonomia, de certa forma, mesmo escolhendo o que não nos foi proposto como melhor. Ora dá certo, ora dá errado.    

O problemas é admitirmos que erramos . E sempre erramos. Não existe manual de boa formação educacional familiar. Não existe receita de ser bom pai ou boa mãe (aliás quantas vezes erramos até com as receitas de bolos e tortas). Somos sujeitos carregados de elementos formativos. Ainda que por muitas vezes desejamos que os sujeitos já nascessem prontos para serem independentes e autônomos, que graça teria? Na realidade não haveriam sujeitos, haveriam pessoas-objetos que expressariam as mesmas coisas, que responderiam da mesma forma sobre todas as questões, como robôs programados.

Valores, conceitos, regras permitem que delimitemos aspectos essenciais da vida, mas a dúvida e a angústia ainda resistirá. Entre o bem e o mal, o certo e o errado, o bom e o ruim, o sim e o não há relatividade, mas há também elementos constitutivos que permitem que a complexidade da vida seja elaborada.

Estes elementos podem ser chamados de bases estruturais, sem os quais as elaborações mais complexas não acontecem. É como aprender uma equação matemática que só é possível se aprendermos os números, a contagem, as simples somas e subtrações. Tanto quanto é para compreender um texto, ler um livro ou escrever uma história. Sem a internalização das letras isto nunca seria possível.    

Por isso, não tenha medo de mostrar o que você acha que é certo ou errado, o que você acha que deve ou não deve. Não tenha receio de mostrar seus valores e aquilo que acredita. Isto não significa que os filhos farão ou pensarão tal e qual os pais. Mas significa que estão recebendo elementos constituintes, que posteriormente serão usados para expressão na vida. Do mesmo jeito ou de maneira oposta, tudo o que é aprendido e apreendido nos primeiros anos de vida conduzirão a maneira de ser e de pensar de nossos filhos.

Não há educação sem elementos bem definidos, sem delimitação, sem estrutura - e mesmo assim tudo isto não é garantia de sucesso. Não carregar os filhos na costas, é permitir que ele assuma sua posição adulta, sua responsabilidade e a consequência de suas escolhas. Mas isto não configura negação de "colo", de acolhimento.

Estar por perto para aconselhar não é escolher por ele, é amparar nos erros, tropeços e frustrações, sem achar que pode dar um ‘jeitinho', que pode anular o sofrimento dele. Os filhos devem saber encontrar soluções maduras, conscientes e concretas como demonstração de possibilidade de ações adultas. Ao contrário, esconder-se de suas atitudes e responsabilidades é um movimento infantil.


Talvez um dia teremos que apontar um erro de nossos filhos, dizendo "sim"você errou e a responsabilidade é sua. Consolar não é redimir a culpa. Nenhum pai/ mãe/ responsável que ver seu filho sofrendo e errando, mas é bom lembrar que somos adultos e sofremos e erramos e nos frustramos e, enquanto adultos, ninguém vem nos salvar - a fada encantada ou o super-herói não surge para fazer desaparecer os causadores de nossas angústias.