ELIZANDRA SOUZA

quarta-feira, 18 de julho de 2012

DEVERES DO PSICANALISTA


O que deve o psicanalista
O que não deve o psicanalista



- trabalhar com a fala e com a escuta;

- ter como foco o inconsciente;

- permitir que o analisando interprete suas questões e dê significados;

- permitir que o analisando faça associações;

- permitir que o analisando exponha aquilo que é importante para ele;

- deixar que o analisando fale livremente;

- respeitar o silêncio;

- manter sigilo;

- respeitar as escolhas do analisando, inclusive na fala;

- utilizar jogos e brincadeiras com crianças;

- ser imparcial;

- manter-se atualizado, participando de cursos, workshops e eventos em geral;

- passar por análise pessoal;

- ter ciência do seu código de ética profissional;

- ser ético e responsável.

- utilizar-se de métodos ou instrumentos alternativos e não psicanalíticos como: reiki, pedras, adivinhações, massagens, hipnose, regressão etc;

- prometer cura;

- tentar dirigir a análise e o analisando por aquilo que acha importante;

- falar mais do que escutar;

- fazer perguntas com o intuito de vasculhar a vida do analisando, não permitindo a livre associação;

- querer modificar ou tratar o comportamento do analisando;

- dar opiniões ou conselhos;

- querer dar ensinamentos, acreditando-se ser mais inteligente ou que sua vida é melhor;

- demonstrar preconceitos;

- querer adivinhar o pensamento do analisando;

- fazer previsões;

- fazer perguntas, sem permitir a liberdade da fala;

- fazer comentários sobre seus analisandos, desrespeitando o sigilo;

- ter relações de amizade ou sexuais com seus analisandos;

- ser parcial ou defender suas ideias diante da questões do analisando. 



 por Elizandra Souza

O PSICANALISTA

RESPONDENDO AS QUESTÕES SOBRE O PSICANALISTA E SUA FORMAÇÃO

 

1 – Quem é o psicanalista?

É o profissional que aplica os princípios, os postulados, as técnicas e os métodos da Psicanálise no tratamento ou na prevenção de distúrbios psíquicos de natureza inconsciente.

A disponibilidade do psicanalista é  a de quem deu o corpo para estar presente ausente na escuta de alguém que sofre e quer ser libertado de seu sintoma. Este sintoma é a dor de uma realidade, que diz sobre o mais íntimo, o mais estranho e o mais ignorado.

O analista é aquele que leva a sério esse sintoma insuportável, que não procura imediatamente  recuperar ou curar pelos requisitos de conformidade social. Não há compaixão ou caridade. O psicanalista sabe o que é um sintoma, advindo das palavras que constituem o sujeito do inconsciente. O psicanalista é aquele que espera pelo que será dito e não dito pelo sujeito analisante.

Partindo do pressuposto de conhecimento que atribuímos ao Outro – do padre ao médico, da mãe à professora – o que distingue é o modo que este saber é concedido ao analista, pois este não se reduz à sugestão. O psicanalista é somente uma suposição de saber e não um lugar definido.

O psicanalista é aquele que oferece o nada ao sujeito, um nada que é da ordem de restauração. Não impor material de trabalho, não ditar o desejo do outro, não apresentar ruminações mentais são deveres do analista e direitos de recebimento do analisante.

O analista deve aprender  a esperar. Sua posição é calar-se diante da demanda do outro. No seu silêncio é que o analisante pode tomar a medida de própria verdade inquestionável e irredutível  que se apresenta em seus sintomas.

2 – A formação do psicanalista

A psicanálise somente resiste pela transferência. Sua práxis se ancora na transferência para existir. Esta transferência se coloca no processo psicanalítico e na transmissão de saber. Não há formação sem transmissão de conhecimento.

Possui critérios e procedimentos próprios para a formação plena do profissional, que em regra incluem três atividades indissociáveis: os cursos teóricos, a supervisão de casos e a análise pessoal.

Até o momento a prática da psicanálise com objetivo clínico esteve submetida a controle social eficaz, exercido pelos pares e entidades profissionais. Não existe no mundo jurídico o título de bacharel em psicanálise e muito menos a de psicanalista clínico.

O reconhecimento do método psicanalítico e de seus seguidores reafirma a eficácia das sociedades psicanalíticas na transmissão e formação.

 

3 – O sentido da clínica na psicanálise

A prática clínica existe porque sempre há um sujeito que apresenta uma queixa e que quer saber sobre seu não sentido. O sofrimento psíquico apresenta valor negativo socialmente, por isso, as pessoas tendem a não dizer exatamente o que pensam, fantasiam ou lembram para qualquer pessoa e produzem formas mais concretas (ou mensuráveis) para apresentar seu sofrimento. A procura por um profissional aparece, justamente, porque existe a necessidade de ser olhado para além do que os outros (familiares, amigos, médicos, etc.) conseguem dar conta.

Diferente da clínica médica ou psicológica, onde têm seu saber voltado para o conhecimento da definição sintomática, onde a doença deve ter suas características enumeradas e ordenadas, de tal forma, que será possível nomeá-la, a psicanálise dirige seu saber pelo não saber e escuta o que o sujeito tem a dizer sobre seu sintoma, na intenção de permitir que o sintoma diga do sujeito, ou seja, do que o sintoma quer dizer.  

A clínica, para a psicanálise, tem a ver com a relação sujeito e objeto a nível do discurso. O analista, na sua prática clínica, guia-se pelo simbólico, mesmo quando o sintoma que se apresenta é corporal, e mesmo quando há necessidade de intervenção médica, ainda sua via é discursiva e simbólica.

“Poderíamos dizer que um dado indivíduo procura a clínica ou qualquer outra espécie de ajuda porque se encontra aprisionado em um circuito pulsional, ele não consegue forjar novos caminhos a partir do contato com o mundo externo... A psicanálise nos alerta sobre os embaraços de um tratamento que se restrinja a atuar exclusivamente no campo do eu.”(Adalberto Santos)

A atividade clínica não pode ser reduzida a terapêutica, pois a minimização de sofrimento ilude o analista e sujeito, impedindo-o de dar conta de seu simbólico. Apresentar ao sujeito meios externos de tratar o sofrimento, através de técnicas diversas, para que este aja de maneira específica ou apropriada, conduzindo-o ao ajustamento de um padrão ideal, torna-se antiético, na medida em que, o analista não deve servir de parâmetro de bom comportamento ou de saúde mental.

“Não há como ele dizer ao sujeito para agir desta ou daquela maneira, pois se de fato devemos levar a sério a arbitrariedade do simbólico, não há um padrão ideal ao qual os indivíduos devem ser ajustados. E quem quer que seja que procure um atendimento psicológico tem de se haver com isso. É somente na medida em que é dado ao sujeito falar sobre seu sofrimento é que ele pode encontrar, ou não, seus próprios caminhos... a clinica comporta dimensões éticas que não podem deixar de ser levadas em conta.” (Adalberto Santos)

4 - O que dizia Freud sobre a formação psicanalítica

Em "A questão leiga"(1925), pág. 278: "É injusto e inconveniente tentar compelir uma pessoa que deseja libertar alguém do tormento de uma fobia ou de uma obsessão a seguir a estrada indireta do currículo médico". Na pág. 286, “... Minha tese principal foi no sentido de que a questão importante não é se um analista possui um diploma médico, mas se ele recebeu a formação especial necessária à prática da análise... Um esquema de formação para analista... deve abranger elementos das ciências mentais, da psicologia, da história da civilização e da sociologia, bem como anatomia, da biologia e o estudo da evolução." Na pág. 277: " Para o paciente, portanto, é uma questão de indiferença se o analista for médico ou não..." Na pág. 281: "Eles devem aprender a análise da única maneira possível - submetendo-se eles próprios a uma análise." Na pág. 288: " Mas objetar-se... que a psicanálise... for considerada uma subdivisão da medicina ou da psicologia, isto será uma questão puramente acadêmica e de nenhum interesse prático." - justifica a psicanálise como livre para estudo, porém com uma formação específica, principalmente para a prática.

Em “Artigo sobre a Técnica”, pág. 153, na letra (f): " Mas se o médico ou não (aqueles que querem ser psicanalistas, o leigo) quiser estar em posição de utilizar seu inconsciente desse modo, como instrumento da análise... Deve-se insistir, antes, que tenha passado por uma purificação psicanalítica e ficado ciente daqueles complexos seus que poderiam inferir na compreensão do que o paciente lhe diz." grifo meu - o dever, a análise pessoal para o psicanalista.

"Abreviar o tratamento analítico é um desejo justificável, e sua realização, como aprendemos, está sendo tentada dentro de várias orientações. Infelizmente, opõe-se-lhe um fator muito importante a saber, a lentidão com que se realizam as mudanças profundas na mente - em última instância, fora de dúvida, a ‘atemporal idade’ de nossos processos inconscientes.” - não prometer terapias breves, nem estipular tempos.

Em “Verbetes”, 1922/23, pág. 300: “As pedras Angulares da Teoria Psicanalítica - a pressuposição de existirem processos mentais inconscientes, o reconhecimento da teoria da resistência e do recalque, a apreciação da importância da sexualidade e do complexo de Édipo constituem o principal tema da psicanálise e os fundamentos de sua teoria. Aquele que não possa aceitar a todos não deve considerar-se a si mesmo como psicanalista.” grifo meu.

5 - Diferença entre psicólogo, psiquiatra e psicanalista

O termo “psi”, bastante utilizado pelas pessoas, muitas vezes pode ser permeado de confusão quanto aos significados, principalmente quando se refere aos profissionais indicados por este termo: psiquiatra, psicólogo ou psicanalista.

O psiquiatra é um profissional da
medicina
que após ter concluído sua formação, opta pela especialização em psiquiatria. Esta é feita em 2 ou 3 anos e abrange estudos em neurologia, psicofarmacologia e treinamento específico para diferentes modalidades de atendimento, tendo por objetivo tratar as doenças mentais. Ele é apto a prescrever medicamentos, habilidade não designada ao psicólogo. Em alguns casos, a psicoterapia e o tratamento psiquiátrico devem ser aliados. Nos últimos dois séculos, a psiquiatria tornou-se uma especialidade médica, influenciada por trabalhos clínicos individuais, como os de Philipe Pinel (França, 1745 a 1826), que classificou as doenças mentais em quatro formas principais e estabeleceu um novo tratamento mais humano para enfermos de hospitais de doentes mentais, ao qual chamou de “tratamento moral da insanidade”. Antes dele, podemos citar Willian Baltie (Inglaterra, de 1703 a 1775), primeiro médico a ocupar-se totalmente da insanidade. Elevou a “questão da loucura” a uma especialidade respeitada e escreveu o livro Loucura.

O psicólogo tem formação superior em psicologia, ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. O curso tem duração de 4 anos para o bacharelado e licenciatura e 5 anos para obtenção do título de psicólogo. No decorrer do curso a teoria é complementada por estágios supervisionados que habilita o psicólogo a realizar psicodiagnóstico, psicoterapia, orientação, entre outras. Pode atuar no campo da psicologia clínica, escolar, social, do
trabalho
, entre outras. Aplica no seu trabalho as atividades de observação do comportamento humano em seus aspectos objetivos, observáveis, que possam ser medidos, compreendidos, controlados e descritos objetivamente. O psicólogo se ocupa prioritariamente, da mente consciente do indivíduo. O profissional pode optar por um curso de formação em uma abordagem teórica, como a gestalt-terapia, a psicanálise, a terapia cognitivo-comportamental.

O psicanalista é o profissional que possui uma formação em Psicanálise, método criado pelo médico austríaco Sigmund Freud, que consiste na interpretação dos conteúdos inconscientes transmitidos por palavras, ações e produções imaginárias de uma pessoa, utilizando-se das associações livres e da transferência. Segundo a instituição formadora, o psicanalista pode ter formação em diferentes áreas de ensino superior.

“O trabalho psicanalítico permite ao sujeito entrever o modo segundo o qual se concretizou ou se substantivou a falta que o constitui estruturalmente como ser falante.” (Escola da Causa Freudiana)”

 

6 – A conduta do psicanalista

Com tantas alternativas técnicas, muitos profissionais se confundem em suas práticas e ficam perdidos, tornando seu trabalho equivocado. Quando esta confusão aparece no trabalho de um psicanalista, vemos que o que mais falta é o conhecimento da própria técnica. Erros comuns como: acreditar que realmente sabe algo sobre o outro; acreditar que pode ensinar um modo de vida; acreditar que existe um universal como na medicina, onde a mesma conduta cabe a todos; entre outros aparecem como forma de propaganda, mas que indica a impossibilidade de posicionamento psicanalítico.

 “A orientação da psicanálise é uma orientação não em direção ao sentido, ao ideal ou à norma visados pela sugestão, mas sim em direção ao gozo e a considerar o sintoma como satisfazendo a alguma coisa... aquele que se arrisca na posição do analista será submetido a solicitações cuja maneira de respondê-las nos permitirá avaliar a idéia que ele faz da psicanálise, a verdade. Com efeito, não há nenhuma garantia, a priori, de que um tratamento seja psicanalítico. Em compensação, o que é garantido é que não é fácil estar na justa posição do analista.” (Escola da Causa Freudiana)

As práticas terapêuticas, cala o sintoma, pois vai pela via do alívio do desprazer. Tanto analista quanto analisandos esquecem de escutar o que o sintoma quer dizer. Primam pela conveniência dos indivíduos e deixam de olhar o sintoma ou a doença como o meio apresentado para a subjetivação.

“Não há nenhuma definição possível da terapêutica a não ser a de restituição de um estado primeiro. Definição esta justamente impossível de ser formulada em psicanálise.” (Escola da Causa Freudiana)

Não cabe ao psicanalista a terapêutica clássica, pois esta prejudica o sintoma. Se o sintoma se apresenta é porque existe um ‘a quem’ ele se endereça. A psicanálise é a única possibilidade deste sujeito, pela transferência, não se enganar e não ser enganado pelas posições que o discurso terapêutico oferece. “Preocupar-se em não prejudicar o sintoma permite alçá-lo à dignidade de um signo que não o amputa de sua duplicação nativa.” (Escola da Causa Freudiana)    

"A técnica, contudo, é muito simples. Como se verá, ela rejeita o emprego de qualquer expediente especial (mesmo o de tomar notas)... 'Ele deve simplesmente escutar e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa" (Artigos sobre a técnica - Recomendações aos que exercem a psicanálise, pág. 149/150 - 1914) - não há necessidade de utilização de nenhum outro meio, senão o da fala.

Na pág. 153 (e): "... o sentimento mais perigoso para um psicanalista é a ambição terapêutica..." - não fazer promessas.  Na letra (g), pág. 157: “O médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado.”

Na letra (i), pág. 158: “ É errado determinar tarefas ao paciente, tais como coligir suas lembranças ou pensar sobre um período específico de sua vida.” Na pág. 159: “ Devo fazer a mais séria advertência contra qualquer tentativa de conquistar a confiança ou apoio de pais ou parentes dando-lhes livros psicanalíticos... pode fazer surgir oposição ao tratamento.” - sobre intervenções que não levam a lugar nenhum e que parecem mais tratamento sugestivo e direcionado.


No texto “Sobre o início do tratamento” - pág. 167, “ O psicanalista chamado a encarregar-se do tratamento da esposa ou filho de um amigo deve estar preparado para que isso lhe custe esta amizade...” - não analisar amigos ou parentes.

“Tanto o leigo como o médico - ainda prontos a confundir a Psicanálise com o tratamento por sugestão - inclinam-se a atribuir grande importância às expectativas que o paciente traz para o novo tratamento.” pág. 167 - não fazer promessas de nenhum tipo, tampouco importa o quer o paciente com a análise.


 

7 – O que diz o MEC sobre a formação do psicanalista

Desde meados de dezembro de 2009, esperamos do MEC uma resposta sobre os cursos de Psicanálise. Não existe, a priori, um planejamento curricular sobre o curso.

8 – O que diz o CRP e o CRM

a) Existe ementa do Conselho Federal de Medicina (Brasil), não reconhecendo Psicanálise como especialidade médica, e a proibição de médico intitular-se médico-psicanalista. O Conselho Federal de Psicologia emite (Brasil) "constitui-se a Psicanálise num campo autônomo à psicologia, mas que com esta não se confunde. Assim, o exercício da Psicanálise não pode ser privativo de psicólogo", e acrescenta uma ementa "A Psicanálise não é reconhecida como uma profissão, existindo como uma especialidade da qual participam profissionais de diferentes formações".

b)PARECER N° 02/98, DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PROCESSO CONSULTA N° 4.048/97 DE 11/2/98

Manifestou o Conselho Federal de Medicina, em 11 de fevereiro de 1998, que a atividade psicanalista é independente de cursos regulares e acadêmicos, sendo os profissionais formados pelas sociedades psicanalistas e analistas didatas. Apesar de manter interfaces com várias profissões pela utilização de conhecimentos científicos e filosóficos comuns a diversas áreas do conhecimento, não se limita a especialidades de nenhuma delas, constituindo-se uma atividade autônoma e independente.

c) PARECER DO PROCURADOR DA REPÚBLICA N° 159/2000

Esse parecer foi dado no dia 24 de agosto de 2000, pelo Procurador Luiz Fernando B. Viana, nos autos da Ação Ordinária n° 1998 34.00.025253-4, interposta pela Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil, com pedido de tutela antecipada. O pedido originou-se em decorrência de representação feita pela Sociedade Brasileira de Psicanalistas (ABP), visando obstar a manutenção dos cursos e seminários que a autora promove.

9 – Importância da educação continuada

Assim como não conseguimos aceitar que um analista não tenha experienciado uma análise, não podemos aceitar que um analista se limite ao básico da teoria. A teoria psicanalítica somente acontece pela transmissão e, por isso, por via também inconsciente, além do posicionamento. O psicanalista está sempre se deparando com o cerne da Psicanálise, ou seja, a sua dimensão da falta, esse descentramento do homem que não é dono do seu destino, nem sequer da sua palavra

Um psicanalista para existir precisa se colocar, ele não existe somente numa sala fechada. Seu desejo precisa ser posto à prova. O paradoxo da existência da psicanálise reside no fato de que o sujeito, enquanto sujeito do inconsciente, é constituído como uma questão cuja própria estrutura se define por não ter uma resposta e nem receita pronta ou acabada.

10 – O diploma não significa nada

Para Lacan “o que define o analista é seu ato, não seu título, nem fato de receber pacientes. Não nos tornamos psicanalistas, verificamos se fomos.” (Pertinências da Psicanálise Aplicada)

O elemento central na formação de um psicanalista é sua análise pessoal, didática, articulada a um longo processo de supervisões e seminários clínicos e teóricos, cuja duração e resultados são impossíveis de serem determinados a priori. Lembramos que desde a sua fundação a Psicanálise tem consolidado sua prática, sua ética e projeto de formação do psicanalista através das Sociedades de Psicanálise, sendo que o estabelecimento das condições normativas para regulamentar a função de psicanalista tem sido prerrogativa das referidas Sociedades.

A análise do pretendente a psicanalista ou analista tem de ser feita, ela tem de ser espontânea e solicitada pelo candidato, pois só compreenderá melhor a psicanálise quem já passou por ela, não se pode falar de amor se nunca o sentimos ou nunca o vivemos,

11 – O psicanalista conduz a análise até onde foi sua própria análise

Antônio Quinet, em seu livro “A descoberta do inconsciente”, considera que “o sujeito em associação livre, é um sujeito dirigindo-se ao analista”. A presença do analista é a possibilidade de aparecer o inconsciente.

O papel do analista é o pior ou o impossível, pois se carrega de vazio para que o inconsciente do outro se presentifique. A escuta, deixando de lado, para fora de si, seus conceitos do bem e do melhor, deixando para fora de si seus conceitos e formas de ser, agir ou existir. Só assim, o analisando pode comprometer seu inconsciente para esta relação. 

“O que o sujeito conquista na análise não está no nível dos bens, nem do acesso à Coisa. É, na realidade, sua própria ‘lei’ (regra), a verdade de seu desejo, o que rege seu princípio de prazer/desprazer. Isso ao mesmo tempo em que o sujeito se dá conta de que é castrado, ou seja, de que a falta é constitutiva e, portanto, por mais que se saiba acerca do desejo, não saberá nada além de suas marcas. A falta sempre existirá e nunca haverá resposta para o desejo. A ética da psicanálise se dá, portanto, em relação à ação e ao desejo que a habita.” (Camila Junqueira)

Para Serge André, o desejo do analista não é um desejo puro e “poderia ser definido como o desejo de um homem prevenido.” Com isso ele pretende dizer que, tendo passado por um final de análise que supõe um saber sobre a sua fantasia fundamental, o analista deve tomar seu próprio desejo de tornar-se analista como um desejo eminentemente suspeito. Eis aqui uma especificidade da ética da Psicanálise que a diferencia das psicoterapias e de toda outra forma de atendimento.

“O psicanalista pela sua própria experiência como analisando, acerca da impossibilidade da verdade ser inteiramente dita, tem a função, também impossível, de levar o analisando a dizer o que não pode ser dito, a bem dizer o seu sintoma. Eis a ética do bem dizer.” (Débora Pimentel)

O desejo do analista é o motor da análise, na medida em que ele possa estar aí como causa do discurso do sujeito do inconsciente, visando mais além desse discurso, a fantasia fundamental com tudo aquilo que ela traz de perverso e de real em seu bojo. Este motor imprime uma direção ao tratamento e por isso o analista deverá suspeitar da iminência de seu próprio gozo.

12 – Não há resistência senão a do analista

O desejo do analista é um desejo de saber e não deve ser confundido com o desejo ingênuo de curar. Freud nos adverte acerca do analista, dos perigos sobre o desejo de curar, a ambição de fazer o bem. A ética da psicanálise é a ética do desejo. O furor curandis não levaria em conta o desejo inconsciente do sujeito e seria uma manifestação de resistência do próprio analista, produzindo um saber no analisando, aquém da verdade. “Não há mais que uma única resistência, a resistência do analista.”  (Débora Pimentel)

Lacan, no seminário sobre os Escritos Técnicos de Freud diz que “a palavra plena é aquela que indica, que forma a verdade, tal qual ela se estabelece no reconhecimento de um pelo outro. A palavra plena é a palavra que faz ato. Depois de sua emergência, um dos sujeitos já não é o que era antes. Por isso, esta dimensão não pode ser eludida na experiência analítica” e continua Lacan, “a transferência eficaz é simplesmente, em sua essência, o ato da palavra” , ou seja, é a transferência que possibilita o acesso da palavra plena que surge nas dificuldades do discurso. A verdade desponta justo aí. “Nossos atos falhados, são atos bem sucedidos” diz Lacan no seminário sobre Os Escritos Técnicos de Freud “nossas palavras que tropeçam são palavras que confessam. Eles, elas, revelam uma verdade de detrás”.

Para o analisando a destituição subjetiva implica também em desalojar o analista do lugar de sujeito suposto saber e o deixa reduzido à condição de resto do processo analítico, quando nenhum significante vem a representá-lo (des-ser do analista).

Devemos pensar que o declínio da psicanálise só pode acontecer se houver declínio da posição do analista. Quando o psicanalista acredita na sua prática e resiste às demandas de conforto e às intervenções de anulação de sofrimento ou pseudocura, pode fazer a psicanálise ser reconhecida, enquanto uma ética. 

“Saber haver-se com seu sintoma. Aí está o término da análise” , propõe Lacan a propósito do caráter irredutível da neurose.

Atravessar a fantasia é confrontar- se com a castração escondida lá. É confrontar-se com a revelação de que não existe um significante sexual para um outro significante sexual: não há relação sexual. Antônio Quinet diz que a “proposta analítica é levar o sujeito da impotência ao impossível da relação sexual” (13).

segunda-feira, 16 de julho de 2012

PALESTRA

Elizandra Souza realiza palestras para adolescentes em escolas e clubes.

Com uma linguagem simples, aborda com os adolescentes os temas mais discutidos nas salas de aula, na mídia e nas famílias. A participação dos pais e professores é sempre surpreendente.

As palestras são sempre dinâmicas permitindo a participação ativa dos adolescentes que são motivados a refletir sobre as questões da vida atual: violência, drogas, relação com pais e amigos são temas constantes em sua palestras.

Também realiza palestras específicas para os pais, com o objetivo de entender melhor o adolescente de hoje e abrandar a angústia causada por tantas dúvidas.


LIVRO

APROXIMANDO-SE DA PSICANÁLISE NUM JOGO DE PERGUNTAS E RESPOSTAS








Um livro com as perguntas que todos gostariam de fazer para os especialistas, mas nem sempre têm esta oportunidade. Neste livro estão reunidas perguntas feitas em programas de tv, rádio, revistas e jornais, com respostas simples e de fácil entendimento. Tire suas dúvidas sobre criação dos filhos, relacionamento, doenças modernas etc.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Loucura ou maldade – a barbaridade é executada por pessoas comuns


Mais uma vez, a sociedade se vê diante de um caso escabroso de assassinato, onde uma pessoa comum, que possui atividades comuns é declaradamente uma assassina fria, que tenta se livrar do resultado de sua ação através de outras ações mais incompreensíveis. Apesar de, o ato ser considerado "fora da normalidade", isto não significa que o criminoso seja incapaz de responder por ele.
O ato de cometer crimes bárbaros, tão comumente nomeados de loucura, não indica, por si só, uma patologia de ordem psíquica, emocional ou mental, que incapacite o sujeito. Mesmo sendo, incomensurável, incompreensível e inadmissível, não significa que o sujeito comum não possa se valer de atitudes criminosas para resolver seus conflitos.
Ainda que não consigamos entender a complexidade dos atos criminosos e violentos, aceitar a simples justificativa patológica do distúrbio mental ou psicológico já não é possível, pois cada vez mais, nos são revelados casos escabrosos realizados por sujeitos comuns. Sim, eles têm vida ‘normal'! Trabalham, estudam, casam-se, têm filhos, e mesmo assim, podem cometer crimes altamente perversos e bárbaros.
Nossa falta de compreensão do ser é tão grande que não conseguimos suportar o fato de qualquer outro humano poder ser tão mal a ponto de matar, esquartejar ou violentar um semelhante, por motivos comuns como ciúme, inveja, descrença,  obstáculo etc.
O grande problema quando tentamos entender estes atos está na palavra "semelhança". Somos constituídos por identificações; nos reconhecemos através do outro; precisamos que o outro nos diga quem somos; existimos a partir da fala do nosso semelhante e por tudo isso, não conseguimos assimilar a ideia que um outro semelhante a mim possa ter atitudes tão destrutivas, conceitos tão distorcidos ou soluções tão macabras.
Contudo, é também, para aqueles que buscam explicações para esta impossibilidade de compreensão que a patologia encontra seu mérito.  É mais fácil tentar encobrir nosso total desconhecimento da essência humana pelo véu da patologia, principalmente, da loucura. Quando acontecem crimes bárbaros ou sem explicação racional convincente, tratamos logo de inserir o comportamento do criminoso em qualquer forma patológica. Onde não há explicação, dizemos que é ‘doença'. 
Não é só o criminoso que tenta se valer de condutas médico-psiquiatras para justificar seu comportamento – e assim, de certa forma, atenuar sua ação, pois através da justificativa patológica, há diminuição da responsabilidade. Os especialistas também lançam mão desta possibilidade para dar conta daquilo que não conseguem dizer.  O louco não pode responder por seus atos! Há crimes tão repulsivos que somente acreditando que o autor não é uma pessoa "comum" ou "normal", que conseguimos dar alguma continuidade em nosso pensamento.
O crime bárbaro realizado por uma pessoa comum trava nosso entendimento sobre nós mesmos e sobre os outros, paralisa nosso pensamento. Ele nos coloca diante do horror de ser humano, nos coloca diante da pulsão primitiva, a sobrevivência atrelada ao desejo. A aniquilação do outro é concreta. Como no crime passional, o objeto de sofrimento deve  desaparecer, sumir, deixar de existir. Assim, acontece em diversos outros crimes, mas não necessariamente este objeto a desaparecer é um objeto de dor de paixão, hoje vemos que este objeto é um outro que possui o que o criminoso não tem; que faz o que o criminoso não gosta; que fala o que o criminoso não quer ouvir ou mesmo que seja visto como um obstáculo para o bem-viver do criminoso.
Porém, ainda temos o problema da semelhança. Como eu ou você, qualquer um está a mercê de cometer uma loucura (e isto não significa que seja louco). Mas, como inserir todos os sujeitos na mesma cesta? Como eu ou você, pessoas comuns, podemos aceitar que somos tais e quais aqueles que cometem crimes brutais?  O impasse está lançado!
As justificativas são tão banais quanto perturbadoras. Então, apaziguamos nosso conflito interno e eterno desta incompreensão através de uma palavra, a loucura, que se estende como forma de explicação psicológica e social para o incompreensível. Ou seja, se o outro é louco, então não é meu semelhante, a insanidade serve como divisor entre os  "normais" e os "anormais". 
Contudo, a loucura é, também, irresponsável. Na medida em que acreditamos que o sujeito criminoso é insano, o colocamos no patamar da falta de responsabilidade, ou seja, ele não sabe o que faz. Agir por emoção, ter problemas psicológicos, ter sofrido traumas, sofrer de depressão são algumas das justificadas que desconsideram a responsabilidade do sujeito pelo seu ato, como se estes fossem "alvarás" concedidos para qualquer ação despropositada, irracional ou criminosa.
E é esta a questão que deve ser colocada em pauta na eminência destes atos: a responsabilidade. Não podemos mais nos submeter a justificativas frágeis sobre o sujeito criminoso que, simplesmente, tutelam os crimes e ignoram sua responsabilidade.  Independente de suas explicações ou justificativas que fazem sentido somente para aquele que age, a responsabilidade deve ser considerada.   


Elizandra Souza
Psicanalista, escreveu o livro "Aproximando-se da Psicanálise num jogo de perguntas e respostas".
Diretora da Comissão de Ética do SINPESP
 www.elizandrasouza.com.br

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bicicletas X Carros - Mais uma vez aceitamos o desvio de nossos olhares!

O movimento de apoio ao uso das bicicletas na cidade de São Paulo é mais uma forma de desvio da responsabilidade pública em oferecer um transporte público decente. Como uma cidade com tantos veículos se torna refém das bicicletas?

O uso dos carros nas grandes cidades há anos não pode ser considerado um luxo ou uma forma de status social. O carro é hoje, muitas vezes, o único meio de transporte viável para os cidadãos. É claro que aquele que pode se locomover com o carro não vai escolher andar como "sardinha enlatada" nos transportes oferecidos pelo governo. Além da péssima conservação, ainda são transportes extremamente demorados e caros, que não viabilizam a locomoção pela cidade. Muitas vezes, para ir de um bairro a outro é necessário o uso de duas conduções, enquanto que com carro se leva 15 minutos.

Sim, é mais tranquilo andar de carro, mas não é fácil, tampouco barato. O combustível é caro, o imposto é absurdo e ainda temos a inspeção veicular - que é melhor nem comentar! Contudo, utilizar os ônibus é bem pior.

Para desviar nossa atenção desta condição precária do transporte público, o governo, através dos movimentos alienantes, toma seu lugarzinho neste "bonde" e apoia qualquer coisa que o desobrigue de sua responsabilidade. Porém, sendo a bicicleta uma solução, coloquemos os milhares de usuários de ônibus e metrô, que se excedem nas estações, em bicicletas pela cidade.

É claro que os acidentes aumentaram. Mas não é, simplesmente, pelo desrespeito generalizado, e sim pelo maior número de exposição. Quanto mais carros nas ruas, mais acidentes automobilísticos.

Quanto mais motos, mais acidentes com motociclistas. Quanto mais bicicletas, mais acidentes com ciclistas. Contudo, atrelado a isto, vem a questão da desigualdade de direitos. Aqueles, considerados ‘minorias' ou ‘frágeis socialmente' são dotados de direitos que se sobressaem aos direitos dos demais.

Esquecemos, neste sentido, do desrespeito à própria cidade, da qual lhe foi retirado o direito ao planejamento urbano. São Paulo, por exemplo, é uma cidade que cresce pelo caos. Não há nenhuma forma de planejamento nas construções de vias públicas e, mais ainda, nos edifícios residenciais e comerciais.

Há bairros, como o de Santa Teresinha, na zona norte, onde estão sendo construídos 9/ 10 condomínios com 30/ 40 ou mais apartamentos por condomínio. A conta é simples de ser feita: estes apartamentos não custam menos de 800 mil reais, portanto, não morarão famílias sem carro ou que, necessária e preferencialmente, utilizam transporte público. Raras serão aquelas famílias com apenas um veículo. Teremos, por baixo, mais 500 carros nas ruas do bairro daqui alguns meses e as vias públicas continuam as mesmas de 30 anos atrás. E não adianta jogar esta responsabilidade para as construtoras, pois todos nós pagamos impostos para que as vias funcionem. As construtoras não podem, simplesmente, serem responsabilizadas pelas benfeitorias para mobilidade na cidade, pois assim, a barganha, para não dizer a corrupção, será inevitável. A pergunta a se fazer é: Quem dá o alvará para estas construtoras? Baseado em qual planejamento urbano os alvarás para construção desses condomínios são permitidos?

Agora, se a bicicleta, enquanto meio de transporte é a solução, então pensemos: e se todas essas pessoas resolvessem sair com bicicletas. Mães levando seus filhos nas escolas, crianças voltando para casa, executivos engravatados sobre bicicletas, médicos e enfermeiros chegando aos hospitais em suas bicicletas... Ou, então, coloquemos todos estes moradores no ônibus dos bairros ou no metrô, que já é insuficiente. Será que realmente a alternativa é deixar os carros em casa?

Alienados estão estes que contabilizam as ciclovias, que só servem para causar mais trânsito nos finais de semana. Para chegar a muitas ciclovias, as pessoas usam carros. Ou, senão, andam com suas bicicletas em ruas não apropriadas para isto.

Não vamos nos enganar! Grande parte das ruas não comportam ônibus, carros, motos e bicicletas. Muitas, mal comportam carros e motos.

Ao bel prazer de políticos e grupos isolados de pseudo defensores do meio ambiente contempla-se leis de direitos parciais, indicando a mais pura incapacidade de pensamento social e democrático.
São Paulo é uma cidade que não possui nenhum planejamento urbano. Não sei se por falta de profissionais habilitados para a atividade ou se é descaso próprio do percurso dos governos que temos tido.

Uma cidade onde proliferam construções imobiliárias, não se fala em projetos de novas vias ou aumento de linhas de ônibus – e o metrô está se tornando uma piada. Andamos em ônibus sucateados, com 10/ 15 anos de uso e que não parecem passar pelo roubo da vistoria (obrigatória para os carros). E para construção de vias de escoamento para saída dos bairros mais isolados seria necessário desapropriar centenas de casas. Contudo, enquanto isso, as construções crescem exageradamente e sem controle.

A cidade é suja, mal organizada, com ruas estreitas, mesmo onde há grande circulação de carros e ônibus. Mais uma vez, a solução feita através do "jeitinho brasileiro". Há regiões que não temos para onde "fugir": uma ou duas vias servem de escoamento dos bairros para o centro ou para outras partes da cidade.

A lei "cidade limpa" foi usada somente para usurpar pequenos empresários e comerciantes, pois ela não é base para as políticas públicas de verdade, onde a limpeza deveria ser generalizada, ou seja, ruas sem buracos, faixas e sinalizações bem visíveis, calçadas apropriadas para mobilidade, funcionamento de semáforos (que aliás é um artigo a parte de tão vergonhoso) – todas essas coisas significam organização , consequentemente mais limpeza e respeito.

A falta de organização e planejamento urbano é tão grave quanto os desvios de verbas da saúde, da educação e do transporte. Desrespeito, desorganização, sujeira, insegurança e caos caminham de mãos dadas. Estão atrelados uns aos outros.

O movimento pró-bicicleta, como mais um superdireito, torna-se aos poucos mais uma ação fascista que desconsidera o outro na sua vontade, necessidade e possibilidade, demarcando assim que a convivência democrática está na via do impossível. E ainda, tenta encobrir nossos olhos, semicerrados, do verdadeiro caos.

Além disso, andar de bicicleta não é para qualquer um, em qualquer lugar. Nas vias das grandes cidades é ainda pior. É preciso ter destreza, habilidade, cuidado e, principalmente, respeito à própria vida – e ainda, normas de segurança.

O que acontece hoje com os ciclistas é a mesma coisa que acontece com os motociclistas: falta de respeito com a própria vida, colocação de si como vítima incondicional, uso de manobras proibidas e arriscadas, falta de legislação coerente. Pessoas andam de bicicletas à noite, pelas ruas escuras, sem nenhuma sinalização luminosa e acreditam que estão certos, simplesmente, porque há outras pessoas que dizem que são minoria e fragilizados. Os motoristas devem adivinhar a presença de ciclistas e aquilo que vão fazer.

Sem perceber, as denominações grupais que tentam instaurar uma visibilidade diferenciada a partir da crença de serem exceções, somente comprovam que há uma regra, uma oficialidade, e, portanto, seus ideais e características nunca serão regras.

Contudo, mesmo sendo considerados minorias, para se valerem do bom convívio social, precisam ter regras específicas para existirem. Então, quais são as regras para os ciclistas? Poderão andar entre os carros como fazem as motos? Poderão cortar os carros, entrando na sua frente sem avisar? Poderão andar em qualquer faixa? Poderão andar em duplas, trios ou grupos na sua velocidade, desconsiderando o bom andamento do trânsito (pelo menos nos poucos momentos em que é possível exercer alguma velocidade)?

Então, quais serão os deveres dos ciclistas? Quais as habilidades deve ter um ciclista para andar nas ruas das cidades? Qual a idade mínima para circular com segurança? Com quais seus acessórios de segurança?

E o mais importante: sendo considerada a bicicleta um meio de transporte, que deve seguir normas de trânsito, qual será sua contribuição social, ou seja, quanto pagarão de imposto? E mais, qual o tipo de identificação deve ter uma bicicleta para reconhecimento de seu condutor? Ou os ciclistas são melhores e superiores em relação a todos os outros mortais que pagam ipva, licenciamento e usam placas identificatórias para poderem conduzir nas cidades? Impostos estes, que teoricamente, deveriam servir para melhoria do trânsito como um todo. Haverá multa para os maus condutores de bicicletas?

Será que estamos mesmos preparados para dividirmos espaço com mais um meio de transporte? Será que a cidade tem estrutura para comportar esta situação? Ou continuarão fazer o que sempre fazem: retiram o espaço de uns para dar a outros?

Acho mais esquisito ainda, o atrelamento que se faz entre educação e punição. O motorista – e somente o motorista – deverá ser multado. Talvez os grandes teóricos e os diversos pensadores da pedagogia e da educação atual devam ficar de cabelos em pé com a constatação de que todos nós humanos não nos educamos, a não ser quando há punição, ou multa. Somos seres incapazes de aprender pelo entendimento. Compreendemos a necessidade das coisas quando isto dói em nós, seja no corpo ou no bolso.

As leis de trânsito e o próprio funcionamento do trânsito das cidades comprovam que o atravessamento do aprendizado se faz pela dor. Portanto, podemos concluir que se as pessoas ainda aceitam o desconforto dos meios de transportes (e não é só isto, mas todo o conjunto de arbitrariedades que nos são impostas) é porque ainda não doeu o suficiente para que haja outra atitude. O povo brasileiro, ainda não se cansou, não sofreu o bastante.

Longe dos passeios automobilísticos, os carros são usados, principalmente, como locomoção para o trabalho e para a escola. Se pensarmos que durante as férias o trânsito melhora, podemos concluir (ironicamente, é claro) que a educação atrapalha o trânsito! Tal qual o trabalho atrapalha a mobilidade de toda a cidade.

As pessoas que utilizam o carro, o fazem por necessidade, por isso não vemos ninguém ficar no trânsito por prazer. Ninguém diz: "Que felicidade, 2 horas de congestionamento!" Daqui a pouco, os governos, nos trarão como solução o rodízio de trabalho: pessoas nascidas em dias pares, trabalham nos dias pares e pessoas nascidas nos dias ímpares, trabalham nos dias ímpares! Vamos esperar!

Por que escolhemos nos cegar?

Um dos grandes mitos conhecidos é a tragédia grega de Sófocles, "O Rei Édipo", onde dentre muitas conturbações, Édipo mata o pai e casa-se com a mãe, sem ter conhecimento deste parentesco. Mas sua punição por estes atos foi cegar-se. Ele fura os próprios olhos para se castigar do pecado. Mas dentre tantas interpretações que se somam a este mito, podemos pensar que o ato de cegar-se pode sugerir um não querer ver o que fez - não querer saber de seu comportamento, de sua responsabilidade.

Freud trouxe este mito para exemplificar a relação apaixonada da criança pela mãe. Porém, não quero trazer este ponto, que tão famoso ficou, mas que o senso comum insiste em apresentar com uma explicação vazia e sem consistência.

Portanto, proponho uma reflexão sobre o ato de cegar-se que o mito traz, como forma de expressão e atitude na vida individual e social. Édipo fura seus olhos, pois não suporta sua verdade, pois não aguenta saber que suas decisões, tomadas até então, geraram sua desgraça. Édipo é conduzido pelo concreto. E, de certa forma, acredita que sua punição alivia a dor da consciência.

É difícil enfrentar os próprios erros, conflitos, frustrações, decepções, fracassos sem querer cegar-se, também como forma de anular ou encobrir estes fatos. Diante deles é melhor nada saber, nada ver. 

Fechamos os olhos diante de acontecimentos que só nos prejudicam. A corrupção disfarçada de ajuda. É difícil tentar entender que tipo de sujeito é este que tira de quem não tem (como no caso dos donativos e verbas para as vítimas do desmoronamento da Serra no Rio de Janeiro).

Tentamos nos enganar e enganar o outro quando nos afetamos por coisas que em nada significam em nossas vidas. Na realidade, quanto menos queremos enxergar os problemas que realmente dizem respeito a nossa vida, mais nos importamos com as questões alheias.

Não furamos literalmente nossos olhos, mas nos cegamos como se produzíssemos uma  espécie de catarata, em psicanálise utilizamos o nome escotomizaçào, que significa uma recusa em perceber, enxergar a realidade a nossa volta.

Utilizamos o outro como forma de reconhecermos a nós mesmos, como um espelho que  nos devolve indagações sobre nossas próprias questões. Mas, há momentos em que usamos o outro como pura forma de projeção, onde despejo minhas frustrações como se dele viessem. É neste momento que coloco o outro como responsável por minha destruição  - e minha salvação.

Para não cegar-se, é preciso se implicar. E esta implicação não está nas afetações vazias, nas discussões sem propósito ou nas reclamações que não transformam. Repetir os fatos jornalísticos e sensacionalistas é como discutir as ações dos personagens das novelas. Não é, de maneira nenhuma, uma forma de implicação, ao contrário, é mais um movimento de se permitir ser enganado, ser objeto da exploração midiática, enquanto as questões mais profundas e relevantes que constroem ou destroem uma sociedade estão encobertos.  

A grande dificuldade em amadurecer, em crescer, em tornar-se adulto é apresentada nas micro e macro esferas da sociedade. Vivemos alternando as posições de sujeito e objeto. Ora, vamos em busca de nossas vontades, brigamos por alguma opinião e decidimos o que vamos fazer. Ora, solicitamos o outro para que nos cuide e proteja.

Mas nossa demanda pelo outro é posta, equivocadamente, na medida em que não queremos assumir nossas responsabilidades sobre nossas escolhas. Na medida em que, esperamos que o outro faça por nós, que tome conta da nossa vida, então assumimos a posição de objeto, que não fala, não reclama, não escolhe. E sua passividade contempla somente a vitimização.

Social e culturalmente estamos arraigados pelo discurso da vitimização, pois na medida em que coloco o outro como responsável por meus caminhos, ao mesmo tempo, me coloco como seu subalterno, sou submisso e, portanto, vítima de suas escolhas.

Os sujeitos que padecem da posição objetal escondem-se do constructo da conquista. Não buscam, não constroem objetivos, não focam um ideal. Ficam à espera de que os outros arranjem, de os outros os coloquem - movimento visível nos jovens contemporâneos que sempre esperam que caia do céu um emprego, por exemplo.

Esta forma de cegar-se acontece tanto diante dos assuntos individuais como dos assuntos coletivos. Temos, por exemplo, aquela mãe que mesmo encontrando maconha na mochila do filho, acredita na desculpa dele de que é do amigo ou de que é uma planta qualquer para aula de biologia. Ou ainda, a mãe que ao encontrar camisinha na bolsa da filha, continua jurando para as amiga que a filha é virgem.  Ou seja, não querem enxergar a realidade a sua volta e preferem ficar agarradas às suas convicções e crenças. Talvez por medo, talvez por vergonha ou por qualquer outro motivo a cegueira é a melhor forma de lidar com aquela situação.

Mas também há uma cegueira social, que revela nossa negligência. Isto acontece, principalmente, quando nos são mostrados fatos que sugeririam uma implicação, mas não passam de questionamentos de poucos e discussões ao léu.

Como foi o caso das ONGs que receberam recursos públicos, ou seja, meu e seu, e enriqueceram seus donos, desconsiderando completamente seus objetivos, sua missão, sua filosofia, que em geral tem textos altruisticamente construídos.   

Enquanto isso, o voluntariado é exaltado e não percebemos que, dentre suas ações solidárias, também há um outro viés, como mais uma manobra de desresponsabilização do Estado e seus governantes diante de seus deveres. Por sorte dos corruptos somos solidários, mas infelizmente, esta solidariedade somente facilitam os desvios.

A solidariedade é o caminho do bem, mas também é um caminho escolhido como forma de desculpa para si mesmo, diante da nossa não cobrança, de nossa passividade.  Há diversas formas de cegar-se e a solidariedade ou o voluntariado extremos podem ser, também, uma forma de cegueira de si mesmo. Na continuação dos passos de não enfrentar a própria realidade, a própria dor, a pura angústia.

Elizandra Souza

Psicanalista

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O povo gosta de sangue

Quando vemos o quanto o IBOPE sobe com as matérias relacionadas às carnificinas, nos perguntamos por que ainda há tanta contradição entre aquilo que diz a população e aquilo que ela permite ter como parte de sua vida.

Nestes casos violentos, o movimento da população é sempre de expansão da comunicação e da mídia, numa exaustiva exploração. Freud, estaria certo, somos selvagens primitivos, que só podemos ter convivência social pelo aprendizado e internalização de estruturas simbólicas, conquistadas pela "castração" (num querer dizer, você não pode tudo).

Na exploração midiática dos massacres, vemos emanar este primitivismo, que é nosso, está aqui, em nós, em algum lugar. Esta energia que impulsiona um interesse não é visto somente quando falamos de casos violento ou de massacres, num entendimento de que quanto mais sangue melhor.

Seja pelo interesse nos fatos exclusivos de crimes chocantes, onde os pedaços da carne alheia fazem o desejo pulsional se movimentar, seja na necessidade canibalesca de se aproximar, tocar, abraçar ídolos, artistas ou famosos em geral, seja no prazer visceral (e inconsciente - só para não se culpabilizar) com a visualização de casos sangrentos. E quem muda o canal da tv? Ou desconsidera um e-mail exclusivo de vítimas esquartejadas por acidentes ou assassinatos?

Muitos famosos andam com seguranças, simplesmente por que o "amor" mata. Se não fosse esse esquema seria como carne jogada aos leões. Por "amor", por fanatismo, seja lá pelo nome que for, um famoso pode ser morto sufocado ou dilacerado pelos seus fãs, ou mesmo por repórteres e paparazis. E ainda, haveria discussão sobre quem ficou com a parte mais especial. É o sangue que nos corre nas veias que nos mantém vivos e, como canibais, visuais ou táteis, é pelo sangue do outro que eu mostro que há sangue correndo em mim.

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Este é o primitivismo que apresentamos, mesmo sem saber ou sem querer, a todo momento na vida, naquilo que escolhemos para assistir na tv ou na internet, ou lermos nos jornais e revistas.

Como animais famintos assistimos e nos interessamos pelos detalhes mais sórdidos e mórbidos. E, ainda, que se negue, há sempre um querer saber. Daí a exploração de programas e videos que revelam a degradação de corpos: acidentes nas ruas, tiros à queima roupa, o corpo encontrado sem algumas partes... E se a tv não mostra tudo, com certeza, alguém vai encontrar na íntegra as cenas na internet, e irá distribuir e terá milhões de acesso.



Isto é próprio do ser - apesar de existirem teorias que dizem o contrário. Mas é no ser que está esta faísca de carnificina, de violência. Cada um de nós traz consigo este impulso que nunca será completamente extinto e sempre tentará encontrar meios de se manifestar.

Pela educação, pelo aprendizado, pela internalização de símbolos conduzimos esta faísca quando se torna chama. Contudo, quanto menor for a oferta de elementos desviantes, maior será a emanação do impulso de forma primitiva (não social).

Para a Psicanálise, isto significa a queda do simbólico. Ou seja, não estamos mais sabendo usar elementos simbólicos para nos expressarmos. E quando digo expressão, não é somente no sentido de agir, mas é no sentido de indicativo de direção. Tudo o que escolhemos: roupas, comportamentos, palavras, diz algo sobre nós.

Portanto, utilizar-se de mecanismos simbólicos é permitir que não haja represamento de maneira tal que quando for descarregado não seja de forma drástica, impulsiva, agressiva, violenta, destrutiva.

Não precisamos assassinar ninguém para expressar nosso prazer no sangue alheio. O fato de ver, ou mesmo de participar através de manifestações afetivas, já nos conduzem a pensar no quão ainda é primitivo nosso modo de expressão pulsional.

Por isso, há necessidade do simbólico, da linguagem. Para viver em sociedade é preciso ter formas de manifestação afetiva, seja de amor, ódio ou indignação que não exale somente a degradação do ser ou a negatividade que se dirige para a destruição da sociedade.

Mas longe de me afastar do início do texto, retomo o ser primitivo, que insiste em aparecer, principalmente numa estrutura sem Lei. Ou numa sociedade sem normas, valores, regras, delimitadores e condutores.

Ainda que os idealistas acreditem que há possibilidade de ser autônomo, dono de sua própria regra, não será possível cegar-se à necessidade atual de leis e normas para regerem a vida social. Assim como, não há como negar que nosso prazer incide naquilo que há de mais primitivo no ser, como se nos restaurasse às formas originárias.

Elizandra Souza Psicanalista