ELIZANDRA SOUZA

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Loucura ou maldade – a barbaridade é executada por pessoas comuns


Mais uma vez, a sociedade se vê diante de um caso escabroso de assassinato, onde uma pessoa comum, que possui atividades comuns é declaradamente uma assassina fria, que tenta se livrar do resultado de sua ação através de outras ações mais incompreensíveis. Apesar de, o ato ser considerado "fora da normalidade", isto não significa que o criminoso seja incapaz de responder por ele.
O ato de cometer crimes bárbaros, tão comumente nomeados de loucura, não indica, por si só, uma patologia de ordem psíquica, emocional ou mental, que incapacite o sujeito. Mesmo sendo, incomensurável, incompreensível e inadmissível, não significa que o sujeito comum não possa se valer de atitudes criminosas para resolver seus conflitos.
Ainda que não consigamos entender a complexidade dos atos criminosos e violentos, aceitar a simples justificativa patológica do distúrbio mental ou psicológico já não é possível, pois cada vez mais, nos são revelados casos escabrosos realizados por sujeitos comuns. Sim, eles têm vida ‘normal'! Trabalham, estudam, casam-se, têm filhos, e mesmo assim, podem cometer crimes altamente perversos e bárbaros.
Nossa falta de compreensão do ser é tão grande que não conseguimos suportar o fato de qualquer outro humano poder ser tão mal a ponto de matar, esquartejar ou violentar um semelhante, por motivos comuns como ciúme, inveja, descrença,  obstáculo etc.
O grande problema quando tentamos entender estes atos está na palavra "semelhança". Somos constituídos por identificações; nos reconhecemos através do outro; precisamos que o outro nos diga quem somos; existimos a partir da fala do nosso semelhante e por tudo isso, não conseguimos assimilar a ideia que um outro semelhante a mim possa ter atitudes tão destrutivas, conceitos tão distorcidos ou soluções tão macabras.
Contudo, é também, para aqueles que buscam explicações para esta impossibilidade de compreensão que a patologia encontra seu mérito.  É mais fácil tentar encobrir nosso total desconhecimento da essência humana pelo véu da patologia, principalmente, da loucura. Quando acontecem crimes bárbaros ou sem explicação racional convincente, tratamos logo de inserir o comportamento do criminoso em qualquer forma patológica. Onde não há explicação, dizemos que é ‘doença'. 
Não é só o criminoso que tenta se valer de condutas médico-psiquiatras para justificar seu comportamento – e assim, de certa forma, atenuar sua ação, pois através da justificativa patológica, há diminuição da responsabilidade. Os especialistas também lançam mão desta possibilidade para dar conta daquilo que não conseguem dizer.  O louco não pode responder por seus atos! Há crimes tão repulsivos que somente acreditando que o autor não é uma pessoa "comum" ou "normal", que conseguimos dar alguma continuidade em nosso pensamento.
O crime bárbaro realizado por uma pessoa comum trava nosso entendimento sobre nós mesmos e sobre os outros, paralisa nosso pensamento. Ele nos coloca diante do horror de ser humano, nos coloca diante da pulsão primitiva, a sobrevivência atrelada ao desejo. A aniquilação do outro é concreta. Como no crime passional, o objeto de sofrimento deve  desaparecer, sumir, deixar de existir. Assim, acontece em diversos outros crimes, mas não necessariamente este objeto a desaparecer é um objeto de dor de paixão, hoje vemos que este objeto é um outro que possui o que o criminoso não tem; que faz o que o criminoso não gosta; que fala o que o criminoso não quer ouvir ou mesmo que seja visto como um obstáculo para o bem-viver do criminoso.
Porém, ainda temos o problema da semelhança. Como eu ou você, qualquer um está a mercê de cometer uma loucura (e isto não significa que seja louco). Mas, como inserir todos os sujeitos na mesma cesta? Como eu ou você, pessoas comuns, podemos aceitar que somos tais e quais aqueles que cometem crimes brutais?  O impasse está lançado!
As justificativas são tão banais quanto perturbadoras. Então, apaziguamos nosso conflito interno e eterno desta incompreensão através de uma palavra, a loucura, que se estende como forma de explicação psicológica e social para o incompreensível. Ou seja, se o outro é louco, então não é meu semelhante, a insanidade serve como divisor entre os  "normais" e os "anormais". 
Contudo, a loucura é, também, irresponsável. Na medida em que acreditamos que o sujeito criminoso é insano, o colocamos no patamar da falta de responsabilidade, ou seja, ele não sabe o que faz. Agir por emoção, ter problemas psicológicos, ter sofrido traumas, sofrer de depressão são algumas das justificadas que desconsideram a responsabilidade do sujeito pelo seu ato, como se estes fossem "alvarás" concedidos para qualquer ação despropositada, irracional ou criminosa.
E é esta a questão que deve ser colocada em pauta na eminência destes atos: a responsabilidade. Não podemos mais nos submeter a justificativas frágeis sobre o sujeito criminoso que, simplesmente, tutelam os crimes e ignoram sua responsabilidade.  Independente de suas explicações ou justificativas que fazem sentido somente para aquele que age, a responsabilidade deve ser considerada.   


Elizandra Souza
Psicanalista, escreveu o livro "Aproximando-se da Psicanálise num jogo de perguntas e respostas".
Diretora da Comissão de Ética do SINPESP
 www.elizandrasouza.com.br