ELIZANDRA SOUZA

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O povo gosta de sangue

Quando vemos o quanto o IBOPE sobe com as matérias relacionadas às carnificinas, nos perguntamos por que ainda há tanta contradição entre aquilo que diz a população e aquilo que ela permite ter como parte de sua vida.

Nestes casos violentos, o movimento da população é sempre de expansão da comunicação e da mídia, numa exaustiva exploração. Freud, estaria certo, somos selvagens primitivos, que só podemos ter convivência social pelo aprendizado e internalização de estruturas simbólicas, conquistadas pela "castração" (num querer dizer, você não pode tudo).

Na exploração midiática dos massacres, vemos emanar este primitivismo, que é nosso, está aqui, em nós, em algum lugar. Esta energia que impulsiona um interesse não é visto somente quando falamos de casos violento ou de massacres, num entendimento de que quanto mais sangue melhor.

Seja pelo interesse nos fatos exclusivos de crimes chocantes, onde os pedaços da carne alheia fazem o desejo pulsional se movimentar, seja na necessidade canibalesca de se aproximar, tocar, abraçar ídolos, artistas ou famosos em geral, seja no prazer visceral (e inconsciente - só para não se culpabilizar) com a visualização de casos sangrentos. E quem muda o canal da tv? Ou desconsidera um e-mail exclusivo de vítimas esquartejadas por acidentes ou assassinatos?

Muitos famosos andam com seguranças, simplesmente por que o "amor" mata. Se não fosse esse esquema seria como carne jogada aos leões. Por "amor", por fanatismo, seja lá pelo nome que for, um famoso pode ser morto sufocado ou dilacerado pelos seus fãs, ou mesmo por repórteres e paparazis. E ainda, haveria discussão sobre quem ficou com a parte mais especial. É o sangue que nos corre nas veias que nos mantém vivos e, como canibais, visuais ou táteis, é pelo sangue do outro que eu mostro que há sangue correndo em mim.

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Este é o primitivismo que apresentamos, mesmo sem saber ou sem querer, a todo momento na vida, naquilo que escolhemos para assistir na tv ou na internet, ou lermos nos jornais e revistas.

Como animais famintos assistimos e nos interessamos pelos detalhes mais sórdidos e mórbidos. E, ainda, que se negue, há sempre um querer saber. Daí a exploração de programas e videos que revelam a degradação de corpos: acidentes nas ruas, tiros à queima roupa, o corpo encontrado sem algumas partes... E se a tv não mostra tudo, com certeza, alguém vai encontrar na íntegra as cenas na internet, e irá distribuir e terá milhões de acesso.



Isto é próprio do ser - apesar de existirem teorias que dizem o contrário. Mas é no ser que está esta faísca de carnificina, de violência. Cada um de nós traz consigo este impulso que nunca será completamente extinto e sempre tentará encontrar meios de se manifestar.

Pela educação, pelo aprendizado, pela internalização de símbolos conduzimos esta faísca quando se torna chama. Contudo, quanto menor for a oferta de elementos desviantes, maior será a emanação do impulso de forma primitiva (não social).

Para a Psicanálise, isto significa a queda do simbólico. Ou seja, não estamos mais sabendo usar elementos simbólicos para nos expressarmos. E quando digo expressão, não é somente no sentido de agir, mas é no sentido de indicativo de direção. Tudo o que escolhemos: roupas, comportamentos, palavras, diz algo sobre nós.

Portanto, utilizar-se de mecanismos simbólicos é permitir que não haja represamento de maneira tal que quando for descarregado não seja de forma drástica, impulsiva, agressiva, violenta, destrutiva.

Não precisamos assassinar ninguém para expressar nosso prazer no sangue alheio. O fato de ver, ou mesmo de participar através de manifestações afetivas, já nos conduzem a pensar no quão ainda é primitivo nosso modo de expressão pulsional.

Por isso, há necessidade do simbólico, da linguagem. Para viver em sociedade é preciso ter formas de manifestação afetiva, seja de amor, ódio ou indignação que não exale somente a degradação do ser ou a negatividade que se dirige para a destruição da sociedade.

Mas longe de me afastar do início do texto, retomo o ser primitivo, que insiste em aparecer, principalmente numa estrutura sem Lei. Ou numa sociedade sem normas, valores, regras, delimitadores e condutores.

Ainda que os idealistas acreditem que há possibilidade de ser autônomo, dono de sua própria regra, não será possível cegar-se à necessidade atual de leis e normas para regerem a vida social. Assim como, não há como negar que nosso prazer incide naquilo que há de mais primitivo no ser, como se nos restaurasse às formas originárias.

Elizandra Souza Psicanalista