ELIZANDRA SOUZA

terça-feira, 9 de novembro de 2010

PADRÕES E DIFERENÇAS

PADRÕES E DIFERENÇAS

O uso exagerado de padrões de beleza, comportamento, estilo de vida, atitudes, pensamentos e outros desconsidera o ser na sua essência. Restringe o indivíduo na concepção de que das diferenças não se extrai qualidade.

A padronização está ‘enlouquecendo’ os indivíduos que preferem deixar de lado sua subjetividade para caminhar pela face dos iguais. A sociedade determina um padrão e escraviza a si mesma nessa obsessão.

Os padrões podem ser, e são, estímulos para a sociabilidade e, algumas vezes, para colaborar numa elevação da auto-estima, pois desenvolve no indivíduo a aproximação com o bem-estar. Contudo, a vaidade como vício, a não observação dos limites, a utilização do corpo como máquina, como única forma de se sentir bem ou ser aceito é o engano posto como objetivo.

Quanto mais o olhar do indivíduo se volta para o exterior, mais a percepção de si mesmo, enquanto um ser subjetivo, um ser do desejo, fica enfraquecida, se estabelecendo como perdida. A fantasia, que marca o sujeito, que acredita que a posição sabida é aquela que se faz mediante o que se pode mostrar, se mistura com a ilusão de só poder ser quando algo se mostra.

As questões e os conflitos que cada pessoa desenvolve ao longo da vida são únicas, individuais e, portanto, subjetivas. Isto significa que tentar fazer soluções padrões para conflitos subjetivos não traz resultados positivos.

Os padrões estéticos, comportamentais e de pensamentos utilizados como vitrine para inserção social podem simbolizar uma forma de segregação, pois aqueles que não os seguem, não fazem parte da sociedade. Almejar um tipo de bem-estar onde os sacrifícios internos e externos ultrapassam a realidade e a capacidade de amadurecimento não se aproxima da satisfação pessoal.

A exaltação do corpo, seja pelo culto à beleza, seja através de comportamentos, não possibilita ao indivíduo a aceitação de sua própria imagem. Por isso, na relação especular (do ser diante do espelho) ele não se reconhece. Mesmo admitindo que o corpo é parte do ser, ele não é o ser, não é o todo.

Fazer parte da sociedade ou de um grupo social é, claro, participar de costumes e pensamentos que norteiam este ou aquele grupo e que os diferenciam - culturalmente. O problema não está nesta participação, está no exagero onde existe o distanciamento dos limites. Onde fica a dúvida do certo e do errado, do bem e do mal. Onde, no lugar de uma posição afirmativa em relação à vida existe um ponto de interrogação. A pergunta que cada um faz a si mesmo sobre sua própria essência.

Resolver os conflitos internos e ultrapassar seus obstáculos é a possibilidade de estabelecer consigo boa relação, na medida em que o caos interno não se esclarece, nem se esgota pelas soluções externas.

Ter a maturidade para domar os exageros, aceitar sua própria imagem, suas diferenças, assumindo sua subjetividade e transpor isto para o mundo é o que chamamos de amar-se ou acreditar-se, onde se mostra a alma através do corpo.





Elizandra Souza

Psicanalista

www.elizandrasouza.com.br

O paterno e o materno em psicanálise

O Paterno e o Materno em Psicanálise


A existência do conceito de constituição do sujeito faz retomar a idéia dos constituintes desta formação, que se entende pelo fato dos seres humanos terem outros sujeitos como participantes primordiais de sua própria organização.


O humano é encarnado das construções de todos os outros sujeitos que o rodeiam, formando uma hereditariedade de constituições, atribuída aos emaranhados de posições, afetos, palavras e olhares que se presentificam num sujeito único.


De todas as possibilidades de interferências que os seres humanos estão sujeitos, as funções materna e paterna se figuram principais e não se esgotam na infância. Dali advém o sujeito.


O novo, porém velho. Que traz em si a constituição familiar. Aquele que primeiro se assujeita às inferências do outro, numa relação contínua de sujeito-objeto. Deve a criança ser a continuidade da mãe, que neste primeiro instante se sente inteira, como se fosse o filho aquilo que lhe completa.


A criança é marcada desde o nascimento, pelos afetos, carinho e olhar materno, que possibilita a inscrição do desejo daquele que ocupa esta função tão fundamental. Na completude da mãe, a criança é parte e extensão desta, que se apropria dela até que aconteça o corte.


Nascem imersas num campo recheado de desejos e fantasias inconscientes dos pais, assim como suas renuncias e traumas que são carregados de imagens, símbolos e emoções.


A função materna caracteriza para o bebê a possibilidade de um amor e proteção constante e sem fim. Quando olhado amorosamente, sente-se seguro para fechar os olhos e dormir, por exemplo. A mãe ao amamentar, embalar e cantar deixa impressões eternas dos afetos que são transmitidos nestes momentos.


Apesar de parecer passivo o assujeitamento, cada marca se constitui como um movimento para fazer emergir um ser capaz da subjetividade.


A mãe tenta satisfazer a criança, e a satisfaz, primeiro com o biológico, pela amamentação, pelo alimento necessário, mas o faz, sem perceber, também, pelos seus afetos, seus desejos, seus sintomas, que se estendem ao filho para serem simbolizados. Nesta simbolização a criança pode apreender o fato crucial para sua existência: a ter sido ou não uma criança desejada.


O pai exerce a função de corte da simbiose mãe-bebê para retirada da criança do assujeitamento materno e assim possibilitar a organização dos elementos que vão marcando e formando um novo sujeito.


O pai, enquanto função, deve sustentar os atributos a ele conferidos pela mãe e se presentificar perante o filho para garantir a este a saída da totalidade materna.


A função paterna possibilita a inserção do sujeito na cultura. Na ligação primeira com a mãe, o sujeito não se move para além daquele mundo mãe-bebê, onde o acolhimento e o vínculo instaura esta posição de um ser do outro. Um como extensão do outro.


As funções acima descritas são desenvolvidas pelas pessoas que rodeiam a criança ao nascer. Mesmo nas impossibilidades de se saber pai e mãe, há quem ocupe estes lugares a partir das primeiras inscrições e respostas da criança. As funções podem não recobrir o sujeito, ou não se efetuarem de forma esperada.


O pai reestabelece para a mãe a posição de mulher, já que o filho não completa inteiramente a falta da mãe enquanto mulher, esta, então se desprende do filho para que este possa ser um na cultura. A ruptura materna atesta a criança como um ser não completo e por não ser completo existe algo que lhe falta. Nesta falta manifesta, se funda o desejo. Só existe desejo, se existir a falta.


As experiências fundamentais se estabelecem pela ruptura e pela falta, como a separação ao nascer, o momento do desmame, o afastamento materno pelo corte paterno, que possibilita ao sujeito a elaboração de sua subjetividade.


É a esse conjunto de fatores da posição da mulher enquanto mãe e do homem enquanto pai, que existe para a criança a possibilidade de se tornar um sujeito desejante ou pairar na posição de objeto ou sujeito sem desejo – um nada.


Elizandra R. Souza
Psicanalista

A visão psicanalítica diante da abordagem coaching

A visão psicanalítica diante da abordagem coaching



O coaching é uma nova modalidade de subjetivação. Talvez, por isso, as pessoas confundem tanto o coaching como uma abordagem terapêutica, porém não é assim que este processo funciona. Diferente da psicanálise, que permite uma ampliação de visão e posicionamento, o coaching trabalha de forma pontual, portanto não pode ser considerado uma forma de terapia.



Contudo, aproximando-se da psicanálise, o coaching utiliza a palavra como elemento principal no seu processo, com uma abordagem muito mais diretiva, mas ainda colocando o cliente a falar sobre suas questões, suas dúvidas, suas dificuldades, sobre as coisas que o incomodam ou inquietam.



Neste momento, onde a fala está totalmente presente, as questões pessoais podem aparecer, e quase sempre isto acontece, desviando o foco do trabalho do coaching. Mas é uma grande oportunidade de perceber a emergência do sujeito. Talvez, por isso, as pessoas confundem tanto o coaching como uma terapia.



Porém a história e a forma de trabalho, do coaching, da terapia e da psicanálise não podem ser confundidos. Mesmo um profissional que trabalhe com ambas abordagens, deve sempre esclarecer aos seus clientes e pacientes o quê exatamente significa cada modalidade, qual a forma de trabalho e, principalmente, quais os limites entre elas.



O coaching, a partir dos anos 80/90, se expandiu e aumentou em número de profissionais e de clientes. Muitos procuram os profissionais coaching ( que significa treinador, num sentido de conselheiro ou facilitador para encontrar soluções de problemas e clareza de potenciais) para diagnosticar e avaliar situações e problemas, e definir as ações possíveis.



Esta procura tem gerado um aumento de profissionais sem ou com pouca qualificação, indicando o aproveitamento da demanda do mercado e a não definição do tipo de profissional que deve ser procurado para este trabalho. Algumas pessoas se utilizam de uma miscelânea de instrumentos e diplomas, mas que não dirigem especificamente sua própria profissão, sendo incoerente com a posição de um coaching.



Esta modalidade de trabalho tem suas especificidades e não pode ser tratada com a simplicidade que comumente encontramos. Este trabalho exige do profissional o conhecimento nas áreas de recursos humanos, administração, psiquismo, comportamento e, muitas vezes, economia. Isto porque, o trabalho é direcionado para a melhor performance profissional de homens e mulheres, que já atuam ou que queiram posicionamentos em cargos ou níveis mais elevados dentro de suas empresas



Algumas situações demandam mais o trabalho de um coach:

promoções que não chegam;
jornadas de trabalho excessivas (principalmente nas jornadas das mulheres);
paralisia na carreira;
dificuldade de relacionamentos com superiores ou funcionários;
manter empresa própria ou seguir carreira;
dificuldade em liderar ou distribuir tarefas;
percepção de não reconhecimento;
preocupação com perda de emprego;
falta de desafios;
direção de carreira;
etc.


O coaching permite esclarecimento dos limites do cliente e de suas capacidades, por isso acontece individualmente, diversificando do trabalho de treinamento, mais conhecido nos recursos humanos.



É importante ressaltar que coaching não é terapia, muito menos psicanálise, apesar de muitos profissionais, atualmente, alimentarem esta confusão, tornando o trabalho equivocado e ludibriando clientes. A abordagem coaching tem um objetivo específico, por isso é mais pontual e, principalmente, ligado a questões profissionais. As emergências pessoais devem ser apontadas e deixadas para um outro tipo de trabalho, por exemplo o psicanalítico.



No coaching, a busca é por uma meta, através da exploração do potencial do cliente, visualizando o presente e o futuro. O coaching pode utilizar-se de várias técnicas e métodos, diferentemente da psicanálise, que tem método próprio.



Apesar disso, os conhecimentos teóricos da psicanálise podem ser explorados pela abordagem coaching. Isto porque durante o trabalho analítico, o analisando serve-se de maior subjetivação e maturidade. “A psicanálise nos permite ter uma outra visão sobre a vida, as pessoas e a sociedade. Com a psicanálise temos posicionamentos diferentes. Não nos transformamos em pessoas melhores ou mais boazinhas, mas tomamos mais consciência das coisas a nossa volta, isto é, temos um reconhecimento maior sobre nossos limites e nossas vontades... Tornamo-nos pessoas mais responsáveis pelos nossos atos... temos maior percepção sobre o que fazemos e sobre as consequências de nossos atos, por isso, deixamos de nos culpar desnecessariamente... agimos mais a nosso favor, mas sem prejuízo de ninguém, pois sabemos da nossa responsabilidade.” (Souza, Elizandra)



O profissional coach, que conhece a psicanálise, tem uma ferramenta a mais e mais complexa, mas o bom profissional jamais fará análise com seu cliente durante o trabalho coaching, mesmo porque, o trabalho psicanalítico é mais complexo e longo. Saberá qual o limite entre coaching e análise e deverá pontuar isto ao seu cliente.









Elizandra Souza - Psicanalista, Professora, Diretora da Comissão de Ética do Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo, Escreveu o livro “Aproximando-se da Psicanálise num jogo de perguntas e respostas”.

www.elizandrasouza.com.br

CHEGANDO AO LIMITE!

CHEGANDO AO LIMITE!



A síndrome que afeta os profissionais









Diante de tantas nomenclaturas inventadas ou designadas para as patologias modernas, surge mais uma, a síndrome de burnout. O que nos faz pensar se são as pessoas com determinados sintomas específicos que demandam nomes, conceitos e tratamentos diferenciados, ou se são a partir dos novos nomes de patologias que emergem mais doentes.



Quando relatamos os sintomas desta ou daquela patologia, qualquer um de nós se reconhece e, muitas vezes, até se autodiagnostica doente. Mas as condições gerais, que instauram as patologias da vida moderna, via de regra evidencia o descaso que os sujeitos têm consigo, com seus corpos, com seus sentimentos, com seus conflitos internos.



A pouca importância dada ao ser por ele mesmo começa a ser a característica mais acentuada em diversas patologias que entrelaçam as questões físicas e psicológicas, implicando o sujeito num outro modo de operação comportamental e de deslocamento subjetivo.



A síndrome de burnout refere-se a um conjunto de sintomas que ocorrem em profissionais que na dedicação intensa ao trabalho, tentam ultrapassar seus limites, até por desconhecimento, chegando ao colapso. Como na famosa frase “não agüento mais”.



Para além do estresse, o burnout tem o sentido de exaustão crônica relacionada ao trabalho, onde profissionais vivem tensão emocional constante, são exigidos atenção constante e muitas responsabilidades. Além disso, existe um forte e constante sentimento de discrepância entre aquilo que o profissionais percebe, enquanto atividades realizadas e a percepção de não reconhecimento por parte de superiores, colegas ou outros envolvidos.



As condições organizacionais nem sempre, ou quase nunca, permitem que o sujeito integre todas as suas dimensões subjetivas. As demandas profissionais em contraponto com as perspectivas de satisfação impactam na saúde do trabalhador lentamente, muitas vezes sendo invisíveis num primeiro momento ao sujeito.



Cada profissão exige do sujeito um conjunto de recursos subjetivos e interpessoais para que possa exercer de maneira satisfatória seu trabalho, mas não indicam caminhos, meios ou instrumentos para produção do cuidado de si, se movimentando, então para um trabalho muito solitário e somente quando o executivo se dispõe integralmente a olhar-se.



De acordo com Marx, o homem quando trabalha, põe em movimento as forças de seu corpo e imprimi sua forma ao trabalho, ao mesmo tempo que modificas os recursos da natureza externo, é modificado internamente. O trabalho faz parte do processo de construção do sujeito, participando do sentido dado por ele à vida. O sujeito se singulariza pelo trabalho e se identifica com o mundo.



Custos com a não assistência, demora na procura de tratamento, de ajuda tornam os transtornos emocionais e subjetivos mais incapacitantes e prolongados. Questões políticas, sociais, éticas, culturais, econômicas inviabilizam a compreensão dos conflitos emocionais, ou seja, ainda há muito preconceito e uma certa crença em acreditar que tudo se resolve sozinho ou, simplesmente, que os problemas consigo mesmo passam.



Hoje é extremamente evidente que o profissional não reage mecanicamente aos fatores externos de trabalho e que sua satisfação vai muito além das compensações salariais. A abordagem subjetiva é melhor avaliada e analisada nos processos de trabalho e de saúde profissional.



Uma análise sobre o trabalho ou a profissão do sujeito, a partir da psicanálise, nos leva a pensar no quanto a carga psíquica pode ser fonte de prazer e bem-estar quando sua descarga é bem sucedida. E, por outro lado, quando há tensão demais, sem descarga possível, o desprazer se evidencia, gerando sofrimento. Isto significa aqueles acúmulos de atividades, decisões, atitudes, comportamentos, exigências que estabelecem os executivos com seu trabalho. Portanto, a insatisfação tem maior relação com o sofrimento do profissional e seus conflitos internos, que tornam obscuros muitos processos externos.



A psicanálise contempla esta interrelação do interno e do externo, do físico e do psíquico, do comportamento e das emoções. Quando algo está acontecendo, em qualquer um destes aspectos, é importante que o sujeito se veja integralmente, ou seja, em todas as suas dimensões subjetivas e objetivas.



O esgotamento surgido na síndrome de burnout afeta aspectos físicos, emocionais e cognitivos. Indicativos desta patologia são desatenção, nervosismo, fadiga, problemas cardíacos, ansiedade, disfunção digestiva, distúrbios do sono, intolerância, problemas respiratórios, tendência ao excesso de álcool, drogas ou medicação, aumento de colesterol, palpitações, dores, infelicidade, medo, insegurança. Sintomas que são comumente confundidos com o estresse, mas é muito mais que isto, pois as situações estressantes são crônicas e relacionados ao trabalho.



As características da síndrome de burnout, segundo pesquisadores como Malash, Delvaux, Lambert, entre outros são:



1- exaustão emocional – energias esgotadas, sentem que não podem fazer mais, irritabilidade, cansaço, sinais de depressão e/ou ansiedade, propensão a acidentes, abuso de álcool, surgimento de doenças psicossomáticas.

2- despersonalização – sentimentos e atitudes negativas, insensíveis e de cinismo às pessoas, desconsideração das relações afetivas.

3- falta de envolvimento pessoal no trabalho – evolução negativa no trabalho, baixa auto estima.

4- Depressão – ausência de prazer em viver (breves, moderados ou graves).



Olhar-se, cuidar-se e procurar profissionais adequados são as primeiras iniciativas para um tratamento. Nunca abrir mão dos profissionais que trabalham com o psiquismo ou as emoções, pois mais do que tratar os sintomas, é necessário conhecer as causas e saber lidar com as dificuldades de transformação. E quando atingem o corpo, o físico é preciso procurar os profissionais indicados, como cardiologistas, gastroenterologistas, neurologistas, dermatologistas, principalmente para afastar qualquer indício de coisas mais graves.



Elizandra Souza - Psicanalista, Professora, Diretora da Comissão de Ética do Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo, Escreveu o livro “Aproximando-se da Psicanálise num jogo de perguntas e respostas”

www.elizandrasouza.com.br

O HOMEM DIANTE DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

O HOMEM DIANTE DAS RELAÇÕES DE CONSUMO



Como suprir a carência do ‘ter’ na sociedade atual?



Em meio a tantos instrumentos de consumo, o sujeito se investe, cada vez mais, na roda do endividamento. Às vezes pela necessidade, outras por oportunidade, ou ainda, por descontrole. Endividar-se pode ser a única opção para muitos, enquanto outros escolhem e absorvem as dívidas como impulso de vida.



Existem, é claro, questões de profundidade e complexidade quando analisamos mais detalhadamente estas construções de relação. Numa visão psicanalítica, salientamos os aprendizados das relações anteriores (na infância), que influenciam ou geram os modos atuais.



As coisas não se produzem sozinhas. São criadas através das relações entre pessoas, objetos e posições. Assim, também acontece com os sintomas sociais, que são construídos e demonstram uma forma de experimentação de uma população ou de uma cultura.



Esta sociedade, em que a supervalorização em torno do ‘ter’, num movimento quase histérico (quando não é realmente), produz sujeitos que não aceitam suas carências, seus vazios, suas fendas. Enquanto vivenciam a cultura do ter, os sujeitos acumulam bens e dívidas e se distanciam do ‘ser’, do olhar para si e do cuidar de si.



O sujeito está desaparecendo, fazendo afunilar a relação ser e ter. Se o sujeito não responde mais por si, quem responderá? Desaprendemos a dizer quem somos nós, mas contamos facilmente o que temos. Se existem hoje, até patologias que se engendram pelas questões profissionais, então também podemos considerar os aspectos patológicos das relações de consumo.



Para além do ‘ter’, existe um sujeito que não se sabe, mas que está em busca deste conhecimento, porém, talvez, pelo caminho mais tortuoso. Por outro lado, prejudica as relações com as pessoas e demonstra sua formação incompleta.



Os objetos a serem consumidos, vão e vem, melhores, menores, mais coloridos. Esta transição de objetos nos indica o quanto os valores estão perdidos, e mais ainda, a impossibilidade do sujeito em resgatar o valor das coisas. Descartar objetos é tão comum que quase não percebemos o quanto fazemos isto.



O montante de bens adquiridos, principalmente, os acessórios, constrói, paralelamente, o desperdício. O celular deste ano tem tecnologia mais avançada e faz com que o do ano passado já seja obsoleto, porém, não irá mais servir para o ano que vem.



Mas o que podemos pensar sobre esta falta de valor que damos às coisas? Se descartamos objetos por perderem valor de interesse, qual será nosso sentimento de valorização para aquilo que, aparentemente, não nos interessa, como por exemplo, as pessoas? Quando ornamentamos os sujeitos do ‘ter’, qual olhar teremos para sujeitos do ‘não ter’?



Hoje, os endividados são, ao mesmo tempo, produtos e produtores da sociedade. Isto significa que aquele que se diz ou é dito devedor, apenas responde, de um certo lugar, ao constructo social atual. Seja pela necessidade, pela facilidade ou, mais inconscientemente, como forma de (re)conhecimento, endividar-se é um meio de sobrevivência.



A sucessiva criação de dívidas aponta fatores variados e não mais é considerada, simplesmente um despropósito do endividado, por isso a relação entre devedor e credor abrange aspectos sociais, econômicos e, principalmente, aspectos culturais. Isto ordena um novo olhar sobre o devedor, que não mais pode ser desmoralizado, ao contrário, é visto hoje como participante ativo da economia do país.



Diante do devedor, o credor somente está do lado oposto, num determinado momento, neste jogo de posições. Posições que são ocupadas em certas situações, e onde os sujeitos circulam e transitam, como qualquer movimento natural da vida. Então pensamos, será possível, hoje, viver sem ter dívidas?



Devedor e credor estão intimamente ligados, tal qual todos os outros opostos conhecidos: amor e ódio, bem e mal, dia e noite, quente e frio, onde a inexistência de um, esgota todas as possibilidades do outro existir.



Estamos diante, mais uma vez, de nossa incapacidade em ‘não saber’. Procuramos respostas para tudo. E acreditamos que muitas respostas estão nos objetos que podem e devem ser consumidos. Não damos tempo para nossa incompletude. Nossa busca é desenfreada pelo pertencimento, onde não cabem mais questões como ‘quem sou eu’ ou ‘o que quero para mim’.



Se, respeitar é olhar para as coisas por outro ângulo, de outro lugar, o respeito mútuo entre estas posições subjetivas e sociais é condição essencial que suplanta a concordância das partes e viabiliza sua perpetuação.


Elizandra Souza
Psicanalista
Diretora da Comissão de Ética do SINPESP
www.elizandrasouza.com.br