ELIZANDRA SOUZA

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O TRABALHO PSICANALÍTICO COM BEBÊS

A possibilidade de identificação de sinais de sofrimento no bebê é um dos grandes progressos da clínica atual. Existe uma unanimidade em considerar a psicopatologia do bebê uma perturbação do laço que une esse bebê ao seu cuidador pimordial. Existe possibilidades de trabalho psicanalítico envolvendo os bebês e seus cuidadores, assim como, as dificuldades afetivas acometidas pelas grávidas modernas, cercadas de objetivos e vontades nem sempre consonantes.

Os sintomas que mais apontam para a necessidade de um trabalho psicanalítico são aqueles que a medicina não encontra motivos ou quando as medicações parecem não trazer os resultados desejados, como por exemplo: recusa ao alimento, problemas com o sono, choros constantes e sem explicação, dificuldades na relação parental.

Teóricos como Winnicott e Françoise Dolto, já discutiam a relação mãe-bebê, portanto esta abordagem não é tão nova. Hoje, um dos métodos mais conhecidos de observação é de Esther Bick.

O tratamento na clínica psicanalítica com bebês implica na escuta paterna. Diferentemente do trabalho psicanalítico feito com crianças maiores, onde é possível fazer uma análise do simbolismo utilizados pelas crianças nos jogos, brincadeiras, desenhos, histórias. Com os bebês o trabalho é diferenciado, pois se instaura na relação.

Durante a gravidez, uma mãe pode passar por conflitos por causa das transformações corporais e psicológicas, e ainda, cria expectativas sobre o bebê e sua relação com ele e com o marido, que muitas vezes não correspondem com a realidade depois do nascimento. A mulher é recheada de inseguranças e medos, que não consegue manifestar de forma adequada e sente que precisa de mais apoio do que geralmente recebe.
Quando o bebê nasce, os pais são confrontados com a realidade, pois após o período de sonhos e fantasias, eles se encontram com o bebê real. Passam, então, ao exercício parental do cuidado, da exploração das emoções, do encontro com novos sentimentos. Por isso, as circunstâncias que rodeiam a gravidez, o nascimento e os primeiros momentos da vida do bebê podem ser psicologicamente desestabilizantes para os pais, mais precisamente para a mãe.
A forma subjetiva que cada mãe carrega sobre sua vivência infantil, sua relação com seus pais, irmãos, avós, assim como as representações e traços que mantém direcionam a forma de como será mãe. Tal qual o bebê, antes mesmo de nascer já carrega sua história familiar e já é falado pelos entes, se constituindo, posteriormente, através de todas estas características.
O comportamento do bebê tem ressonância com os pais ou cuidadores, mas principalmente com a mãe. Suas histórias de vida, suas formas discursivas, suas constituições simbólicas são fatores primordiais na representação comportamental do bebê.
Os bebês precisam de alguém que exercendo a função materna, possa, além de trocar e alimentar, dar suporte afetivo às suas necessidades. Às vezes falta à mãe imprimir no seu filho a possibilidade de um sujeito. Muitas mães não conseguem dizer o que seus filhos querem ou por que eles choram. O trabalho com bebês supõe que elem se expressam e, apesar de não falarem, eles têm uma linguagem.

O tratamento psicanalítico na clínica com bebês segue a via da relação, por isso não é uma escuta parcial ou unilateral, mas uma escuta de posicionamento. É necessário o entendimento de uma série de elementos que caracterizam esta relação bebê-pais, como por exemplo, o lugar que o bebê ocupa no discurso dos pais. Ao psicanalista cabe um tipo de intervenção que visa oferecer situações onde seja possível produzir efeitos para constituição deste bebê.

Elizandra Souza, Psicanalista, Professora de Teoria Psicanalítica, Diretora da Comissão de Ética do SINPESP (Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo), autora do livro “Aproximando-se da psicanálise num jogo de perguntas e respostas”.
www.elizandrasouza.com.br

terça-feira, 29 de junho de 2010

Futebol: da paixão ao fanatismo

Em época de Copa do Mundo, todos os olhares se voltam para o futebol e suas influências. Torcedores de todas as idades, classes e oriundos dos mais diferentes lugares se juntam com um único objetivo – assistir a seleção. O futebol é um esporte sem barreira social, e pelo contrário, tem o poder de unir pessoas dos mais diversos aspectos sócio-econômico-cultural, mas com um mesmo objeto de amor – seu time.

É, também, neste momento que surgem as mais diversas teorias que tentam dar conta deste fenômeno tão diferenciado que move milhões de pessoas em todo o mundo. Das teorias via biológico às teorias mais filosóficas, todas dão pelo menos uma explicação sobre o que acontece com o indivíduo que torce.

As vibrações e o nervosismo na hora dos jogos caracterizam-se como os principais componentes do torcedor, mas, por outro lado, podem revelar muito mais do que uma simples admiração. Inexplicavelmente, muitas formas de dedicação ao time ou ao jogo são condutas observadas em torcedores mais frequentemente que nos próprios jogadores do time.

O sujeito torcedor joga pelo outro (jogador) através do olhar e da emoção. Se em cada torcedor há um técnico, mais ainda, há um jogador, e mais, há um conhecedor. Todos, cada qual sob sua própria perspectiva vislumbra um jogo melhor, uma escolha técnica melhor, um posicionamento excelente de cada jogador. E sob seus próprios elementos já conhecidos e postos, constrói novas teorias, que em geral, divergem das utilizadas em campo, principalmente quando seu time perde.

Após cada jogo, são intermináveis os debates entre profissionais e leigos, sempre dando conta de um inexplicável, resolvendo o que não há solução, na tentativa de preencher o vazio deixado pelo jogo.

Apesar de toda esta disposição das pessoas que torcem, devemos pensar sobre o que representa o futebol, principalmente, no Brasil. Talvez o futebol brasileiro traga consigo a marca do reconhecimento, da existência, a marca da possibilidade de se representar ao resto do mundo, longe da figura selvagem que éramos submetidos.

O Brasil passa a ser reconhecido por seus títulos e seus jogadores. Há no mundo quem conheça Pelé, mas não saiba nada sobre o Brasil. Nossa vantagem em copas do mundo e outros títulos mundiais, nos fizeram reconhecidos como o pais do futebol e, se nisto contamos vitória, também pede uma reflexão sobre o que pensam os brasileiros em relação a forma como são vistos pelo resto do mundo.

Paramos cidades inteiras para assistir aos jogos da copa; a economia nas cidades mais importantes do pais parou: empresas privadas, bancos, serviços e até o trânsito fizeram silêncio para “sua majestade o futebol”. Mesmo carregados de controvérsias frente ao time ou as táticas, os brasileiros se submeteram ao futebol.

Seria então, o futebol a salvação da pátria? Deveríamos então, utilizar o futebol como característica política para desenvolver na população o tão desejado sentimento de patriotismo? Qual será o real interesse dos brasileiros frente as suas questões sociais, econômicas e culturais se somente o futebol demonstra força de mobilização?

Dentre os questionamentos dessa fragilidade emocional do brasileiro perante o futebol, trago à tona as relações de fanatismo e agressividade tão presentes nas partidas e depois das partidas.

Ao mesmo tempo, que mobiliza a população a um pseudo-patriotismo, o futebol, nos terrenos particulares de seus clubes, faz emergir entre muitos torcedores sentimentos de posse, egoísmo e intolerância, e caminham para uma forma de fascismo recheado de sofrimento, violência, totalitarismo, induzindo a destruição da comunidade social e do direito de escolha.

Este mecanismo que vigora pelo fanatismo já é considerado problema social, cultural, psíquico e, muitas vezes, até fisiológico. O fanatismo é degradante em qualquer aspecto que toma forma, pois ele por si só destrói, se não os outros, o próprio sujeito, que deixa de se relacionar com outros objetos do mundo para contemplar um único objeto.

O fanático é aquele que acredita que a única forma de ser feliz ou de viver é através de um símbolo idealizado, por exemplo, um time (ou mesmo a seleção campeã). Esta fixação idealizada pode surgir na infância com os exemplos e ensinamentos oferecidos pelos pais, familiares e a sociedade. Algumas formas de fanatismo podem dizer algo relacionado à fuga de realidade, visto que está ligado a um prazer muito particular. Portanto, ao fixar um símbolo ideal, ameniza-se os sofrimentos que a vida podem suscitar.

O fanático é impossibilitado de perceber as escolhas alheias, os gostos, o comportamento e os pensamentos das outras pessoas que são contrários aos seus e age com agressividade quando o que vem do outro agride ou ofende sua idealização.

Acredito que ao fazer uma reflexão sobre o futebol e suas particularidades, devemos voltar os olhares para todas as formas de manifestação atribuídas como consequência deste esporte, que tem sua atuação cada vez mais presente, justamente pela variedade e contradição de suas representações e manifestações.

Elizandra Souza é Psicanalista; Comissão de Ética do SINPESP; Professora de curso de Formação em Psicanálise; escreveu o livro “Aproximando-se da Psicanálise num jogo de perguntas e respostas”.
www.elizandrasouza.com.br

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Abordagem psicanalítica da TPM

Apesar de todas as explicações feitas pela medicina, as questões relacionadas a este momento da vida da mulher ainda é crucial e suscita muitas perguntas. Porém, a psicanálise traz um outro olhar com relação à TPM.

Para a psicanálise existe relações mais profundas e particulares entre o momento da menstruação e as elaborações psíquicas femininas, tanto quanto é feito a relação entre sintomas e psiquismo, ou seja os conflitos inerentes da mulher e suas relações com o mundo e consigo mesma.

Há mais significações nestes momentos da vida feminina do que revelam as explicações puramente fisiológicas e de alterações hormonais, visto que, ainda que haja alterações físicas, as questões de posicionamentos, as instabilidades emocionais, os conflitos familiares emergem como se nestes momentos vigorassem tendências ao negativismo ou à baixa estima.

Existe um suporte simbólico que a menstruação oferece à mulher na representação social e cultural, que pende, mesmo nos dias atuais, às questões da maternidade. E nesta mistura de sintomas e conflitos, fica a mulher desestabilizada. A percepção da feminilidade, mesmo nas mulheres modernas, ainda é um enigma e surge nos seus discursos pelas vias da maternidade e do ciclo reprodutor.

Não é possível acreditar que a tensão pré-menstrual crie, simplesmente, os problemas sofridos pelas mulheres, sem fazer associação com as questões intrínsecas da vivência feminina. Os problemas relacionados ao trabalho, aos relacionamentos amorosos, aos filhos, ao seu próprio corpo, à família, frequentemente, são pontos chaves nos sintomas desta fase, principalmente, os sintomas psicológicos e emocionais.

Certamente não podemos desconsiderar as questões físicas e as alterações hormonais. Assim como, não podemos desconsiderar o sofrimento trazido pelos sintomas físicos (inchaços, dor nas mamas, cólicas, etc.) que devem, quando necessário, ser tratados com medicação.

Alguns autores colocam a tensão pré-menstrual como um evento biopsicossocial, pois atinge o corpo físico e emocional, atingem a mente nos aspectos cognitivos e reflexivos e atingem as relações sociais.

As mulheres reclamam de seus sintomas, mas muitas conseguem perceber quando e como estourar. Por exemplo, dificilmente uma mulher descarregará sua instabilidade emocional no chefe, mas fará com que o marido ou o namorado percebam sua irritabilidade, impaciência e sensibilidade exacerbada.

A TPM intensa sempre sugere que algo não está bem e é necessário que a mulher tente reconhecer suas insatisfações e seus conflitos para poder resolver seus verdadeiros problemas.


Elizandra Souza
Psicanalista
Diretora da Comissão de Ética do SINPESP
Professora de cursos de Formação em Psicanálise
www.elizandrasouza.com.br

Bulling – relações em perigo

Quando se fala em bulling, a primeira idéia que nos vem à mente é a agressividade, porém quando ampliamos nosso pensamento sobre este assunto vemos que por trás desta agressividade existe um número muito grande de outros sentimentos e emoções, que nem sempre é apreendido pelo discurso daquele que justifica seu ato.

Ressaltamos a influência da educação nestes casos, principalmente, na forma hoje, que se apresentam os comportamentos de crianças e adolescentes. Em todo o mundo, as taxas de prevalência de bullying, revelam que entre 5% a 35% dos alunos estão envolvidos no fenômeno. Porém, o bulling não está ligado somente às atitudes juvenis. Este comportamento hostil também acontece com adultos, muitas vezes como forma de defesa ou proteção.

O sujeito se comporta contrariamente ao que inconscientemente reconhece em si. As atitudes agressivas e hostis com relação aos colegas aparece como tentativa de mascarar seu próprio sentimento de inferioridade. Como animais acuados que atacam, ao invés de se renderem, os sujeitos considerados bullies não encontram outras formas de se posicionarem na vida, diante de pessoas ou situações, senão pela violência. Ele tem necessidade de dominar, de subjugar e de impor sua autoridade sobre outrem, mediante coação; necessidade de aceitação e de pertencimento a um grupo; de auto-afirmação, de chamar a atenção para si. Possui ainda, a inabilidade de expressar seus sentimentos mais íntimos, de se colocar no lugar do outro e de perceber suas dores e sentimentos.

Esta violência assume o caráter etiológico do violar, como se, realmente, apoderasse de algo do outro para assumir como seu. O bullie viola não só as leis, a moral e a disciplina, mas principalmente, viola o sujeito naquilo que ele mais tenta conservar que é o ‘direito’. Direito à integridade física e psíquica. Direito à fala e ao movimento. Direito à opinião, à criação de hipóteses e à discordância.

Por outro lado, sob o arcabouço de seu modo agressivo, existe um ser que sofre. E não sabe nada sobre seu sofrimento, pois ele não comparece após um ato violento. Seu sofrimento é anterior e seus comportamentos agem como um véu, que escondem, abafam e tentam anular sua dor.

Em psicanálise, quando falamos desta dor ou deste sofrimento, não falamos de algo consciente, tampouco que seja algo motivo de pena. Não é algo se pode justificar os atos agressivos, mas sim, aquilo que indica a sujeição, aquilo que diz do sujeito sem ele saber.

Estudar as causas de bulling incluem diversas matérias ou ramos do saber. As perspectivas sociais, educacionais, políticas, econômicas e subjetivas devem ser trabalhadas de forma interdisciplinar para tratar este comportamento, que não é recente, mas é atualmente muito freqüente.

A psicanálise traz mais um ponto de vista. Um novo olhar que atua naquilo que não é dito no discurso do sujeito, mas é produzido por este discurso. Mais do que escutar aquele que sofre o bulling, é preciso escutar o próprio agressor, para quem sabe, possamos entender a dinâmica deste processo de subjetivação.

Lacan, que frisa a idéia da responsabilidade do sujeito: “A verdade que a psicanálise pode conduzir o criminoso não pode ser desvinculada da base da experiência que a constitui, e essa base é a mesma que define o caráter sagrado da ação médica – ou seja, o respeito pelo sofrimento do homem.” (Escritos)


Elizandra Souza
Psicanalista
Comissão de Ética do SINPESP
www.elizandrasouza.com.br